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Consumo precoce de álcool cresce entre jovens com instabilidade emocional

Por Anna Júlia Martins

Reportagem produzida para a disciplina 'Produção de texto jornalístico II' sob a supervisão da professora Mariza Fernandes. 

Estudo da Uece revela que adolescentes emocionalmente

frágeis têm o dobro de chances de começar a beber antes dos 15 anos

O consumo precoce de bebidas alcoólicas por adolescentes brasileiros vem crescendo de forma alarmante — e há um fator que chama atenção dos especialistas: a instabilidade emocional.

 

De acordo com uma pesquisa realizada em 2024 pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), adolescentes com maior fragilidade emocional têm duas vezes mais chances de iniciar o consumo de álcool antes dos 15 anos em comparação com jovens emocionalmente estáveis. A pesquisa ouviu mais de 500 estudantes do ensino médio e revelou que 37% relataram ter começado a beber precocemente, enquanto 71% afirmaram consumir álcool ao menos uma vez por mês. Segundo o IBGE, a experimentação de bebidas alcoólicas entre adolescentes saltou de 52,9% em 2012 para 63,2% em 2019, reforçando a tendência de antecipação do contato com o álcool.

 

Influência do ambiente familiar

Para a pedagoga Joana Tosta, especialista em orientação educacional, o consumo de álcool por adolescentes está frequentemente relacionado a conflitos familiares, falta de diálogo e modelos parentais contraditórios.

 

“Adolescentes criados em ambientes conservadores, onde há um descompasso entre o discurso e a prática dos responsáveis, muitas vezes usam a bebida como forma de oposição à autoridade familiar”, explica.

 

Ela também destaca a dificuldade de muitos pais em perceber o uso de álcool pelos filhos. “A banalização do consumo por parte dos adultos cria um ambiente permissivo. Muitos responsáveis acreditam que o uso da bebida é inevitável, e acabam não exercendo o controle necessário.”

 

Ciclo de vulnerabilidades

 

Joana ressalta que fatores como histórico de violência, problemas emocionais, relações familiares frágeis e predisposição genética podem impulsionar o uso precoce de álcool e outras substâncias.

 

“Essas fragilidades criam vazios emocionais que o jovem tenta preencher com o uso abusivo de substâncias. É uma tentativa de anestesiar a dor”, afirma.

 

A especialista também chama atenção para a relação entre alcoolismo parental, baixo rendimento escolar e comportamentos de risco. O uso de álcool, nesses casos, deixa de ser uma escolha recreativa e se torna um mecanismo de sobrevivência emocional.

 

Quando o prazer vira necessidade

O médico psiquiatra Murillo Nascente alerta que a dependência alcoólica se estabelece quando o consumo deixa de ser movido pelo prazer e passa a ser motivado pela evitação do sofrimento.

“Você não bebe mais porque gosta. Você bebe porque precisa evitar o desprazer que a abstinência provoca. E, com o tempo, as doses aumentam, porque o organismo se adapta e exige mais para sentir o mesmo efeito.”

 

Dados nacionais indicam que 5,2% dos adolescentes entre 12 e 17 anos no Brasil já apresentam padrão de uso abusivo ou dependência de álcool.

 

Prevenção: vínculo, presença e alternativas

A chave para reverter esse cenário, segundo os especialistas, está em uma combinação de educação, presença familiar e alternativas de convivência. Promover espaços de escuta, criar vínculos afetivos saudáveis e oferecer atividades culturais, esportivas e criativas podem funcionar como barreiras contra a entrada precoce no consumo de álcool.

“A prevenção não se resume à proibição. Envolve criar ambientes nos quais o jovem não precise fugir. Ambientes onde ele se sinta pertencente, ouvido, amparado”, conclui Murillo Nascente.


 

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