Os desafios e a importância das mulheres como motoristas de aplicativo
Entre os anos de 2019 e 2023, o percentual da quantidade de mulheres trabalhando como motorista de aplicativo aumentou 50,3%, dados divulgados pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP). A informação mostra como as mulheres têm se inserido cada vez mais nesse meio trabalhista.
A motorista
Fernanda Souza, motorista de aplicativo há 8 anos, conta com um total de mais de 30 mil corridas. Começando a rodar em Goiânia, por sugestão do pai que já era taxista a anos, ela percorre uma jornada extensa como motorista de aplicativo passando por Goiânia, Brasília e Ribeirão Preto. De acordo com a TecMundo na matéria “10 anos de Uber no Brasil: relembre trajetória”, a Uber, um dos mais famosos aplicativos para viagens, chegou ao Brasil em 15 de maio de 2014, passando a ser uma renda fixa para a motorista no final de 2016.
Trabalhando ao decorrer da semana, a não ser na quarta-feira quando está pelo terreiro, a motorista começa a rodar mais nos horários de pico a partir do meio-dia até o final da tarde. Em preferência da motorista ela conta que prefere fazer viagens por Brasília, já que em contraponto, Goiânia tem um trânsito maior e mais agressivo nas palavras da trabalhadora: como em um dia de trânsito em Goiânia já passou por quase 4 acidentes pelas ruas lotadas, por causa de outros motoristas que não seguem as leis de trânsito. O Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira registrou um aumento de 5% em acidentes
de trânsito nos oito primeiros meses deste ano(2024), o Hospital atendeu 4.094 pessoas envolvidas em acidentes na cidade goiana.
O estresse move o trânsito
Fernanda prefere trabalhar em parceria com a Uber, o aplicativo que iniciou suas corridas é o mais utilizado no cotidiano de trabalho, mesmo com a concorrência crescendo, a motorista defende sua preferência, pelo tempo de uso e a dominância no mercado, o aplicativo usado consegue ir mais longe em distância de forma mais rápida e com viagens em lugares mais em conta onde consegue gerar mais lucro. A trabalhadora também explica o por que não usar duas plataformas de corridas ao mesmo tempo, pois a administração de dois aplicativos, trânsito, sinaleiros, passageiros, e outros pontos geraria mais estresse e deixaria os motoristas sobrecarregados, relato da motorista que já passou pela situação. O Departamento Acadêmico de Construção Civil com Especialização em Engenharia de Segurança no Trabalho da Universidade Tecnológica Federal do Paraná afirma “pressão pelo tempo, congestionamento, falta de respeito por parte de outros motoristas e má dirigibilidade do veículo, foram os que apresentaram maior porcentagem de respostas que as pessoas ficam muito estressadas”.
Situações dentro do Carro: Um crime
Referente ao ponto bom do aplicativo, a motorista reforça o negativo, como não há segurança e respaldo para Motoristas mulheres e outros usuários dentro da Plataforma. Em quesitos de eficiência para requisitar o suporte para trabalhadores, os aplicativos de viagens pecam, Fernanda conta duas situações nas quais precisou fazer um boletim de ocorrência: Uma das viagens se passou dentro da pandemia no app da 99, buscada na Ceilândia a passageira se recusou a usar a máscara obrigatória, Fernanda se opõe a iniciar a viagem fazendo a passageira buscar e colocar a máscara, mas começando a fazer ações indesejadas como bater a porta do carro e colocar sua filha em cima do banco o sujando, tais ações fizeram com que a motorista pedisse para que não fizesse já que estaria bagunçando o transporte, o pedido foi o estopim para os ataques verbais contra Fernanda começassem, gerando uma discussão, a motorista se recusou a terminar a viagem e a passageira se recusa a sair do veículo, até que por fim ela decide sair do carro da proprietária a
ameaçando. A segurança que o aplicativo 99 deu a ela, foi um botão de pânico, apertado duas vezes para monitorá-la, após o ocorrido, a agência entra em contato orientando a fazer um boletim de ocorrência contra ameaça, sendo feito em seguida.
“Não é porque alguém está pagando, que se pode fazer o que quer. Eu vejo a distorção, que ainda tem gente que acha que a Uber manda na gente, que o carro é da Uber. Não, a gente é parceiro, até porque eles não tem vínculo de nada, se eu fico doente, a Uber só lamenta, se eu sofri um assédio, a Uber só lamenta, se eu bato o carro em horário de trabalho, a Uber só lamenta, eles não querem ter vínculo, então a Uber não tem que gostar ou deixar de gostar de uma pessoa que eu não quero levar, porque está infringindo as regras do meu carro.” ditou a motorista. Outros momentos de desrespeito e injúria neste mesmo modelo, a levaram a parar dentro da delegacia, parando a tarde de sábado de trabalho para reivindicar seus direitos.
A segunda situação, foi a pior viagem dentre todas elas ao longo dos oito anos. Na qual a motorista sofreu um assédio. O crime aconteceu em Brasília, com o uso do aplicativo Uber, após embarcar o passageiro no aeroporto da cidade a caminho de Guara, uma região mais bem vista pelos moradores.
“Um rapaz branco, bem vestido, aparentemente não estava bêbado, como gostam de justificar o assédio, entrou no meu carro e sentou na frente. Até aí tudo bem, só que era uma viagem de 20 a 30 minutos, e ele começou a conversar comigo, ele começou a levar essa conversa para um teor muito pessoal, momentos íntimos da vida dele, de falar da sexualidade dele pra mim, as relações amorosas que ele teve. Até aí a gente não é só motorista, a gente é um pouco de tudo, ele só estava desabando comigo, não estava nada absurdo. Só que em determinado momento da conversa ele começou a puxar um teor mais sexual, de falar e relatar das vivências dele. Eu que sou protegida por orixás, pelas entidades, por tantas pessoas e tantos que vieram antes de mim e muito esperta também atenta, já acendi um alerta: Essa conversa vai virar. Em um determinado momento ele começou a falar de coisas bem mais explícitas, e eu observando o trânsito, para ver se via uma viatura, aquele estado de alerta. Em um momento da corrida, eu notei que ele estava se tocando por cima da calça, dei uma de sonsa, fingindo que não estivesse percebendo nada, só que ele botou o celular dele de frente pro meu rosto, não tinha como não ver, e na foto, era uma
foto dele pelado e ereto. Eu já estava com muito ódio, mas respirei fundo, por que a graça para o estrupador é o medo, ele precisa do medo, então eu não demonstrei, já que não era sobre medo, era mais sobre raiva de tamanho abuso.” descreveu a motorista exatamente sobre o ocorrido. Ela relata que mesmo tentando enrolá-lo com um papo de academia por já ter sido professora Formada em Educação Física e um passado com aulas de Crossfit, ele foi além. “Em um determinado momento ele se achou no direito de passar a mão em mim, enquanto tudo acontecia antes disso, ele ia descer do meu carro e eu iria reportá lo, só que em mim ninguém encosta se eu não autorizar, no que ele veio com a mão na minha perna eu dei um grito com ele avisando para que não encostasse a mão em mim, foi um grito que veio de tão de dentro que ele assustou, e começou a rir, me deixando revoltada. Só que ao mesmo tempo que eu estava em alerta e eu só queria mandar ele descer do meu carro, eu precisei ter sangue frio e sabedoria para rir junto, eu não sabia se dentro da mochila dele tinha uma arma, e também se me atacasse quem iria ver, só estávamos nos dois no carro, acelerei até que ele desembarcou.” finalizou Fernanda. Mesmo reportando na mesma hora para o aplicativo, a motorista recebe uma ligação da Uber colhendo seu depoimento e encerrando com a fala “A Uber lamenta, você quer que coloquemos ele na sua Black List?” Utilizando um termo racista com a vítima, deixando a situação encerrada por ali, nada mais foi feito, apenas adicionado à sua lista de passageiros bloqueados, não obteve suporte jurídico ou psicológico, sem nenhuma orientação.
O Instituto Locomotiva e o Instituto Patrícia Galvão afirmam em uma pesquisa, que 97% das mulheres maiores de 18 anos de idade já sofreram assédio dentro de transportes públicos e privados no Brasil. "É um número muito forte. Esse é o cotidiano da vida das mulheres, a pura expressão do que acontece", dito por Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão.
Mesmo que o aplicativo tenha opção de transportar apenas passageiras mulheres, além de ser uma ferramenta apenas para motoristas dentro do app, Fernanda explica como sua diária de trabalho e seus ganhos são menores quando está ativa, gerando menos renda para a trabalhadora, e não dando a garantia que virão apenas mulheres, como o exemplo da passageira chamar do seu aplicativo para um homem que irá em seu lugar.
A motorista relembra as variadas viagens problemáticas e marcantes que aconteceram dentro de seu veículo. Entre elas ela cita viagens com mulheres grávidas para dar a luz, com mulheres voltando da maternidade com recém nascido, levando passageiras até o Instituto Médico Legal do Distrito Federal para fazer exame de corpo de delito após ser agredida, corrida com mulheres saindo da delegacia de atendimento especializado à mulher com a passageira toda machucada. “Trabalhar como motorista de aplicativo, não é apenas dirigir, mas atuar por completo. É você estar disposto a passar situações assim, como isso reverbera na minha vida também, minha saúde mental inclusive, para além do trânsito já que é uma das profissões mais perigosas hoje em dia.” De acordo com evidências do Fantástico, apenas em 2021, 43 motoristas de aplicativo morreram enquanto trabalhavam na função em acidentes.
“Para lidar com pessoas, precisa-se de um cuidado efetivamente.” relata Fernanda em relação a suas histórias, dando espaço para contar que também existem histórias engraçadas e aprendizagens que ela leva para a vida.
As Passageiras
Victoria Eduarda, cliente ativa dos aplicativos de viagens como Uber, 99 e InDrive, utiliza as plataformas praticamente todos os dias para ir trabalhar, voltar para casa e cotidiano. Ela afirma como é difícil encontrar motoristas mulheres, o alívio e surpresa em encontrá-las nas poucas vezes. “Eu fico surpresa, comento como se fosse muito diferente, uma mulher vai me levar hoje, porque geralmente são homens, independente do aplicativo, como passageira eu sinto um conforto a mais, como se a viagem fosse mais tranquila, não penso como se pudesse acontecer alguma coisa. É diferente com motoristas homens, olhares, pequenas falas, a gente nota como é desconfortável.” afirma a usuária.
Passageiras como a Victoria, que já passaram pela vida da Fernanda. A motorista relata assédios que chegaram a seus ouvidos, como de pessoas próximas, sua ex esposa expõe acontecimentos de assédio, amigas de trabalho com casos extremos de quase chegar a ter que quebrar o vidro do carro, e até mesmo crianças. Ela conta a experiência com uma garota de 12 anos ao sair da escola, a mãe chamava o carro para pegar a filha na escola e levava para a casa em um pequeno percurso, quando a garota pergunta se Fernanda faria viagens
privadas, a resposta negativa foi dita com uma pergunta, já que a curiosidade da trabalhadora havia sido ativada, ela questiona se já tinha acontecido alguma coisa com a garota, e a menina conta como um dia indo em direção a escola com um motorista, a mãe acompanhando a viagem pelo celular, notou que ele havia mudado a rota drasticamente para um trajeto em direção ao parque da cidade de Brasília, totalmente diferente do esperado, em um movimento de susto, a mãe dirigiu com um carro até alcançar o motorista e intercepta-lo, gerando uma discussão entre ela e o motorista. Aquilo desencadeou gatilhos na garota, já que quando menor sofria abusos do padrasto a meses, e ele a ameaçava com uma arma de fogo se ela contasse, até a mãe soube pelas palavras da garota dentro da escola por não aguentar mais, fazendo a responsável procurar por ajuda e conseguir pessoas que acreditassem nela para tirá las da situação e colocar o estuprador na cadeia.
Passageiras desconhecidas, descrevem que pagariam a mais para estar em uma viagem com uma mulher, esperariam mais para quem as levassem: fosse uma mulher. Ela afirma que a forma de resolver não é decente dentro do aplicativo, ao mínimo o usuário deveria ser banido da plataforma, denunciado, acionando o jurídico dos aplicativos, como efetivamente não há suporte nem para as motoristas nem para as usuárias. Por isso a pouca quantidade de mulheres trabalhando dentro dos aplicativos de viagem, o risco que correm afasta as motoristas do trabalho, afirma Fernanda ainda conscientizando que as motoristas que ela conhece hoje em dia andam com uma Taser de choque para aumentar sua segurança.
É evidente a importância das mulheres trabalhando nesse meio. Fernanda encerra dizendo como em uma viagem, suas palavras para a passageira que mostrava sinais de agressão foram essenciais “Você depende dele pra quê? Depende dele financeiramente? Emocionalmente?” e após uma conversa descobrindo o relacionamento tóxico da garota, reencontrá-la na rua, meses após o ocorrido, e a passageira agradecê- la por tirá-la daquela situação de prisão, por mudar a vida de uma usuária com as palavras da motorista.
Por: Winderson Tallys M. Rodrigues
Reportagem produzida para a disciplina 'Produção de texto jornalístico II' sob a supervisão da professora Mariza Fernandes.
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