capa da matéria de comida afetiva

A comida como fonte de memória e afeto

A comida é capaz de mudar a visão sobre a vida, pois o ser humano não se alimenta apenas por necessidades biológicas, mas também por aspectos emocionais. Desde o amamentar até a memória de um almoço de domingo em família, a comida é capaz de ser fonte não apenas de nutrientes, mas também, de afeto.

 

Escrito por: Bárbara Rigonato

 De acordo com o Ministério da Saúde, “amamentar é muito mais do que nutrir a criança, é um processo que envolve uma interação profunda entre mãe e filho, com repercussões no estado nutricional da criança, em sua habilidade de se defender de infecções, em sua fisiologia e no seu desenvolvimento cognitivo e emocional”. É possível ver isso na prática ao falar com diversas mães que amamentaram e que viram a importância dessa troca no momento de alimentar o filho. Maria Hildilene Gonçalves, mãe de uma menina e um menino, fala sobre o assunto: “Quando eu amamentava, eu sentia  muito carinho pelos meus filhos, eles ficavam passando aquela mãozinha em mim, eu sentia aquele cheirinho, parecia uma forma de agradecimento pelo leite.”

 

           Para além da amamentação, vê-se a comida sendo lembrada e representada em memórias afetivas em muitos outros casos. Como na construção de culturas, com várias tradições que são criadas e mantidas ao longo de gerações em várias sociedades. Pode-se ver isso, ao analisar que muitas famílias possuem pratos e receitas únicas, com ingredientes e formas de fazer diferenciadas das demais, o que agrega ao alimento uma especificidade que o torna especial e marcante para quem o prepara e consome. Daí vem diversas falas populares, como: “comida de mãe não tem igual”, “na casa de vó a gente nunca passa vontade de comida nenhuma” e “tudo que é feito com amor fica mais gostoso”.

 

          Muitas famílias criam costumes próprios na cozinha que ficam marcados na vida dos entes para sempre, costumes esses, que criam laços entre os familiares. Kesia Weidvan, trabalhadora do ramo de marketing, comenta sobre: “Eu lembro muito da comida da minha vó paterna, ela era muito boa em fazer quitanda, então a gente comprava os ingredientes e ela fazia. O pão de queijo dela era o melhor do universo, não tinha, não tem, igual. Já a minha avó materna, era muito boa na comida do dia a dia, eu tenho memórias de comidas específicas que eu lembro que ela fazia. Ela fazia uma abóbora cabotiá com carne que não existe ninguém que consegue fazer igual ela.” Ela ainda complementa: “Então ficam essas memórias pra mim. Eu lembro onde eu estiver… eu vejo um pão de queijo e falo “nunca que é igual o da minha avó”.

 

             A entrevistada Kesia acrescenta que as suas relações sociais envolvendo comida não ficam só no setor familiar, porque também é presente no seu meio de trabalho. “Eu trabalho com vendas e consultoria de medicamentos. Eu trabalho visitando alguns consultórios, que é um ambiente formal, então eu chamo os clientes, que hoje em dia já chamo de amigos, porque tem muitos anos que a gente convive, para uma mesa de refeição, para tirar aquela formalidade. Eu falo: ‘vamos tomar um café’ e, o que eu mais vejo e acho engraçado é que no consultório a pessoa é mais formal e, quando a gente sai para tomar um drink ou café, a pessoa desmonta aquela persona trabalho. Tem gente que eu falo: ‘não imaginava nunca que você era assim’. Tem pessoa que é tão sofisticada e fala pra mim: ‘ai que vontade de comer aqueles espetinho de gato’, eu fico impressionada. Então a refeição faz isso, na mesa de refeição ela desmonta a pessoa e parece que assim ela pode ser ela mesma. Eu vivo muito isso no meu trabalho.”

 

             Ainda no ramo de trabalho, vale comentar sobre o comércio da gastronomia e os trabalhadores da área. Lilian Matos, proprietária do Évora Gastronomia e dona da empresa Qualite, que trabalha com consultorias que montam negócios gastronômicos, fala sobre como é trabalhar no ramo da alimentação e de como ela planeja os restaurantes e os cardápios a fim de satisfazer e deixar boas impressões e lembranças na vida dos clientes através da comida. “As pessoas falam que vem ao meu restaurante e não tem vontade de ir embora, elas querem sentar e conversar. O ambiente as abraça, é essa questão mesmo do afetivo, criamos um clima com os detalhes, desde a florzinha em cima da mesa que lembra a de casa, até a beleza dos pratos, porque elas percebem que alguém preparou aquilo. Tem cliente meu que fala: ‘Eu não como chuchu na minha casa, como que vocês fazem eu comer isso aqui?’. Então, tem tudo a ver com a apresentação, as pessoas também comem com os olhos. Nós buscamos trazer esse encantamento pela comida, pelo alimento, totalmente ligado ao afetivo e ao sensorial.” 

 

            Em festividades, há muitos costumes e tradições em relação às comidas servidas. Como é visto em aniversários, que se percebe sempre a presença de bolos e docinhos; já na páscoa, os chocolates atingem os maiores picos de vendas do ano. Essas situações e comidas específicas marcam a memória das pessoas e deixam lembranças afetivas que só são construídas com o mix de sensações que a alimentação em conjunto pode trazer. 

 

             Nas festas de final de ano não é diferente, aponta-se, ainda, que cada país tem culturas únicas que marcam e moldam a forma como o povo comemora essas datas. Na Índia, o arroz Biryani, feito com especiarias, costuma estar presente sempre nas mesas de natal. Já na Alemanha, um prato típico nas festas natalinas é a receita de salada de batatas com salsicha. No Brasil, vê-se muito a presença do fricassê, do chester, do peru, do arroz com uvas passas, entre outros. Também existe aquela tradição das avós e mães preparem e cozinharem a ceia aos demais familiares, porém, atualmente, tem crescido a ideia de se diminuir esse trabalho gerado nas famílias. Uma forma de  resolver essa questão, em busca de maior praticidade, é a encomenda da ceia em restaurantes. A entrevistada Lilian comenta: “No meu restaurante, planejamos nas vendas da ceia, trazer o clássico, porque queremos vender essa experiência completa do natal. Buscamos reduzir esse cansaço que algumas pessoas enfrentam ao cozinhar para a família inteira. Mas, ainda queremos manter a tradição, por isso vendemos o básico do clássico, como o salpicão, arroz com castanhas, pernil e farofa.”

 

              Além dos prazeres e sensações que a comida traz para quem a consome, têm-se o que os cozinheiros e chefes de cozinha sentem ao trabalhar com o preparo de diferentes receitas e ao servir diversas pessoas todo dia. Para contextualizar mais o assunto, traz-se a fala de Ariel Vidal, que atualmente trabalha como sushiman em um grupo de restaurantes de alta gastronomia. “Quando eu era criança eu me recordo de ter dito pra minha mãe que eu queria trabalhar com isso, às vezes eu a acompanhava na cozinha e, achava interessante essa pessoa que tinha a melhor comida do mundo, é sobre a questão de perceber quanto a alimentação é capaz de mudar o nosso conceito sobre a vida. Os vários processos de cozinha e química que acontecem, a transformação de um ingrediente, tudo isso sempre me chamou atenção, sempre fui curioso. Na minha concepção, a cozinha tem total capacidade e é a principal forma de você criar memória afetiva, seja em um jantar ou almoço de domingo na casa dos seus familiares, um momento especial com uma pessoa especial, como em uma viagem. A comida sempre vai fazer parte disso, ela tem o poder de transmitir vários sentimentos, talvez não de imediato, mas um dia você vai ter aquela memória e,  vai se pegar pensando no momento, às vezes pode experimentar algo que pode te remeter a certa época, sabor ou aroma, como funciona por exemplo, a degustação e estudo de vinhos e cafés, que são graças a nossas memórias de algo que experimentamos um dia.”

 

                   Logo, depois de todo o exposto, vê-se como a comida e o alimentar em grupo é importante para a construção e enriquecimento das relações pessoais. Essas memórias afetivas ficam na vida das pessoas por décadas e podem gerar sentimentos que não seriam os mesmos sem a presença do sensorial, do cheiro e do sabor de uma comida.

 

 

 

Matéria produzida para a disciplina 'Produção de texto jornalístico II' sob a supervisão da professora Mariza Fernandes.