
Quintais e seus donos: América Latina e a “Soberania” dos EUA
Quintal. De acordo com o dicionário Michaelis, pode ser definido como “terreno nos fundos de uma casa, geralmente com jardim, horta ou árvores frutíferas, ou ao lado dela”. Esse mesmo termo foi utilizado pelo Secretário de Defesa dos Estados Unidos, chefe do Pentágono do governo Trump, Pete Hegseth, para definir a América Latina em uma entrevista à Fox News. Reproduzindo as palavras de Trump, Hegseth afirmou que eles irão recuperar o dito “quintal dos EUA” e que miram o Canal do Panamá nessa retomada, o qual foi construído e gerido pelos americanos até 1999 e, atualmente, tem certa influência chinesa.
A ideia de América Latina como espaço de domínio estadunidense é conhecida, mas é importante contextualizar a histórica política dos EUA que se iniciou como protetora de toda a América, inclusive de seus países vizinhos. Há mais de 200 anos, em 1823, os Estados Unidos estabeleceram a Doutrina Monroe, que se fortaleceu como pilar da política externa. Em resumo, os EUA comunicaram à Europa para não interferir no território americano e nem em seus interesses e, reciprocamente, não iriam se envolver em disputas europeias.
Entretanto, de nação que protegia seus vizinhos indefesos de novas ações colonizadoras pela Europa, a doutrina se tornou exclusivamente para o bem estadunidense. Isso porque, anos mais tarde, os EUA passaram a ser coniventes com ações externas contra esses países e também realizaram diversas intervenções na América Latina, como o apoio ao Golpe de 64 no Brasil, visando concretizar seus interesses. A América Latina passa então a ser reconhecida como “quintal” de Washington.
Sob o atual governo de Trump, em uma insana vontade estadunidense de não perder seu questionável posto de maior potência mundial, o país também tem travado conflitos e se voltado contra outras nações, como a China, sua principal inimiga da atualidade e rival na atual guerra comercial. O presidente dos Estados Unidos estipulou um “tarifaço” à grande potência asiática e estabeleceu, até então, 145% de tarifas totais sobre os produtos chineses. A China, no entanto, não deixou barato: também aumentou as tarifas sobre os produtos dos EUA e tem se mostrado irreverente à ofensiva norte-americana.
É importante ressaltar que a China é o grande país exportador de tecnologias, inclusive para os americanos, e quem produz 80% dos iPhones para os EUA. Trump, contudo, está com uma grande ideia: montar toda a cadeia produtiva da Apple em seu país.
Entretanto, especialistas já fizeram os cálculos e isso se mostra inviável devido aos altos custos e grande dependência de outros países na produção e fornecimento de componentes… De fato, as coisas não estão lá muito boas para nós, latino-americanos “sem dinheiro no banco”, como dizia Belchior. Mas, o grande “dono da casa”, desdenhador de quintais, também não está em condições de falar muito em meio a atitudes mal pensadas e desmedidas, altamente criticadas pelo restante do mundo e que tem enfrentado um forte revanchismo chinês. Os Estados Unidos parecem estar colocando ainda mais em crise sua tal soberania…
Texto por Fernanda de Aguiar