
A democracia se defende com leis, mas também com sensatez: o que revela o debate sobre anistia
Por: Elle Carvalho de Souza
Desde a manifestação realizada pela direita brasileira na Avenida Paulista em 6 de abril, muito se tem falado sobre a possibilidade de anistiar os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Quase dois anos após os episódios de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília — protagonizados por uma multidão insatisfeita com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva —, ganha força um movimento organizado por setores bolsonaristas que, entre discursos inflamados e o apoio de figuras políticas de peso, clama por anistia. O termo, vindo do grego amnestía, significa “esquecimento” ou “perdão”.
Hoje, o Brasil se vê diante de um dilema que atravessa a Justiça, a política e a memória nacional. As cenas de destruição daquele domingo permanecem na memória coletiva. Diante da gravidade dos atos, esperava-se que as punições fossem aplicadas com rigor, reafirmando o papel do Judiciário na defesa do Estado Democrático de Direito. No entanto, o que se percebe, a cada sentença e a cada preso, é um cenário de excessos judiciais, onde o “zelo” pela ordem se mistura a medidas questionáveis, que suscitam dúvidas sobre o equilíbrio das penas e o respeito aos direitos individuais.
Entre os condenados estão mães, idosos, portadores de doenças graves — incluindo câncer —, jovens, missionárias e até pesquisadoras universitárias. Nenhum "golpista" — como passaram a ser rotulados todos os envolvidos — escapou das duras penas impostas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o movimento conservador, dois casos tornaram-se emblemáticos: o de Cleriston Pereira da Cunha e o de Débora dos Santos.
Cleriston, de 46 anos, morreu durante a prisão preventiva, após sofrer um mal súbito enquanto tomava sol. Sua defesa havia alertado para suas fragilidades de saúde, agravadas por sequelas da covid-19, solicitando prisão domiciliar. O pedido, segundo se sabe, sequer foi analisado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Já Débora dos Santos, cabeleireira e mãe de dois filhos, foi condenada a 14 anos de prisão. Sua acusação? Ter escrito com batom a frase “Perdeu, Mané” na estátua “A Justiça”. A frase, irônica, era uma referência a uma fala do ministro Luís Roberto Barroso dirigida a um manifestante no exterior — e não uma criação da acusada. Débora não roubou, não matou, não traficou, tampouco desviou dinheiro público. Ainda assim, recebeu uma das sentenças mais severas do episódio.
Esses são apenas dois dos casos mais emblemáticos — e controversos — relacionados ao 8 de janeiro. A palavra anistia carrega em si o peso do perdão e a leveza da esperança. O que tem buscado a ala conservadora , propondo um novo olhar sobre os acontecimentos, à luz da proporcionalidade e da dignidade humana.
Seja qual for o desfecho, é inegável: o debate sobre anistia reacende a discussão sobre os limites entre justiça e vingança, entre punição e reconciliação. E, sobretudo, sobre o que o Brasil deseja preservar em sua democracia — a força da lei ou o espírito do equilíbrio.