Estrangeiros no próprio país
Falhas na Inclusão de pessoas surdas na universidade
Por: Anna Letícia
A língua é um importante instrumento de inclusão nos espaços sociais, podendo ser uma barreira na comunicação ou uma forma de conforto linguístico. A Língua Brasileira de Sinais - Libras - foi reconhecida como uma das línguas oficiais do país, por meio da Lei 0.436/2002 e do Decreto 5.626/2005. No entanto, as pessoas surdas ainda sentem dificuldade para se comunicar com os ouvintes e acessar informações na universidade.
Karolina Costa, primeira aluna surda do curso de Nutrição da Universidade Federal de Goiás, declara que já enfrentou falta de adaptação do material por parte dos professores. “Já tive um professor que não quis adaptar o material que seria utilizado nas avaliações e, ao ser cobrado, deu uma resposta grosseira. Além disso, constantemente aprendemos novos sinais, e nem sempre eles são interpretados. Isso atrapalha a compreensão.”
O Censo da Educação Superior de 2017, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) e apurado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) aponta que há 2.138 alunos surdos no ensino superior no país. De acordo com Relatório das ações de acessibilidade na UFG de 2018, 45 estudantes surdos estão matriculados na Universidade. Apesar da demanda, as Instituições não estão preparadas para oferecer total acessibilidade.
A professora do curso de Letras-Libras, Silvia França Calixto, começou o ensino superior em 2001 e percebe que a dificuldade de acessibilidade diminuiu, mas ainda existe. “O aluno perde as informações por falta de tradução e interpretação dos materiais. Ele perde o curso devido ao próprio sistema da UFG.” Silvia afirma que os docentes surdos também possuem empecilhos, pois precisam ser o mais didáticos possível.
Elis
A falta de acessibilidade nas instituições acadêmicas decorre, sobretudo, da invisibilidade enfrentada pelas pessoas surdas e pela Libras. Segundo Karolina Costa, a convivência na Universidade seria facilitada se a sociedade tivesse conhecimento básico sobre o assunto. Essa perspectiva é comum entre os alunos, como Italo Cardoso, estudante de Engenharia Civil, que sugere que a instituição deveria adotar a abordagem bilíngue em Libras.
O Sistema Brasileiro de Escrita das Língua de Sinais - ELIs foi desenvolvido pela professora de Linguística Mariângela Estelita Barros, em 1998. Diante da escassez de estudos sobre Libras, principalmente no estado de Goiás, Mariângela optou por concentrar suas pesquisas em verbos direcionais. À medida que seu mestrado progredia, ela identificou padrões nas palavras e nos símbolos, levando-a a criar a escrita de Libras.
Após 20 anos aprimorando as regras para a criação de um dicionário, Mariângela finalmente alcançou a padronização que precisava. “Já temos uma escrita de sinais em nível ortográfico, equiparando-se ao estágio atual da língua portuguesa. Embora ainda não seja amplamente conhecido.” O desconhecimento evidencia a invisibilidade enfrentada pela língua, considerando a importância da escrita e sua contribuição para a leitura tanto de
surdos quanto de ouvintes. Embora as pessoas surdas necessitem ler e escrever diariamente, elas fazem isso em uma língua que não é a delas, uma prática identificada por Mariângela como colonização linguística. Ela propõe a oportunidade de alfabetização na língua deles, seguida pelo aprendizado do português como segunda língua. Assim como muitos surdos se sentem obrigados a se alfabetizarem em português para inclusão na sociedade, a estudante Maria Eduarda Teles destaca a importância de os ouvintes também se alfabetizarem em Libras.
Origens
Para se sentirem excluídos na universidade, os alunos surdos precisam, antes de tudo, ingressar nela. O problema da acessibilidade surge já no ensino básico, uma fase crucial para adquirir o conhecimento necessário para ser aprovado nos vestibulares. No entanto, conforme relatado por estudantes e professores, as instituições escolares não oferecem apoio suficiente.
Maria Eduarda Teles, aluna do oitavo período de Letras-Libras, relata que teve muitas dificuldades na aprendizagem durante o ensino fundamental. "Minha mãe e minha avó tiveram que ir à escola para explicar que eu precisava de acompanhamento, mas disseram que eu tinha um problema mental." Apesar das barreiras enfrentadas, a estudante conseguiu ingressar no curso pelo programa UFG Inclui.
As dificuldades também marcaram a trajetória da professora Silvia França. A docente ficou retida na primeira série do ensino fundamental até os 11 anos, pois sempre era prejudicada pela falta de conhecimento em Libras por parte dos professores e pela ausência de intérprete na época. Silvia afirma que as escolas não queriam aceitá-la por ser uma pessoa surda. “É impossível a gente aceitar um aluno com deficiência.”
Apenas em Goiás, existem 55.658 pessoas com algum grau de deficiência auditiva, segundo dados do Censo de 2010 do IBGE. Mesmo assim, é possível afirmar que os colégios são inacessíveis. Karolina declara que não passou por isso porque a língua não foi uma barreira, pois conseguiu aprender português. “É injusto as oportunidades serem mais limitadas para pessoas surdas que não tiveram a mesma educação que eu.”
Inclusão
“A pessoa surda estar na universidade é inclusão, mas até que ponto ela está incluída?” questiona o coordenador do Núcleo de Estudos e Práticas em Tradução e Interpretação em Libras, Diego Barbosa. A realidade é que, embora seja comum ver alunos surdos no curso de Letras-Libras, raramente isso ocorre em outros cursos, como Engenharia, Nutrição e Medicina.
Esse empecilho é promovido, também, pela maior facilidade de entrar na faculdade de Letras-Libras, visto que possui vestibular especial, o UFG Inclui. Ele é direcionado para candidatos surdos oriundos de escola pública. “É como se falasse: você só tem essa opção, você só pode cursar Letras-Libras”, destaca Diego. Mariângela Estelita relata que vários alunos manifestaram o desejo de ingressar em outras faculdades, mas o receio de se sentirem isolados era um obstáculo maior.
Karolina Costa afirma que se sente invisível e esquecida dentro da sala de aula, e não é muito diferente fora. “Pensa, que louco, você uma pessoa natural no seu país não conseguir conversar com os outros no seu cotidiano. Me sinto uma estrangeira no meu próprio país.” A estudante também expressa sua felicidade quando se esforçam para se comunicar com ela. “Muitas pessoas desistem de falar Libras porque é difícil, acham que as pessoas surdas não terão paciência para conversar.”
A inclusão não deve ser responsabilidade apenas dos professores e funcionários, mas também das Atléticas. “É importante ressaltar que falta acessibilidade nas Atléticas, e isso deve ser urgentemente resolvido, pois eu tenho direitos iguais aos outros”, declara Karolina. Segundo a presidente da atlética da faculdade de Farmácia, Hellen Munyque Pereira, elas como um todo auxiliam na inclusão dos estudantes, inclusive no próprio sentimento de pertencimento à universidade. “No Maior Inter foi pauta outras formas de arbitragem, para que os atletas surdos pudessem ter a mesma oportunidade.”.
Acessibilidade
A criação do Núcleo de Estudos e Práticas em Tradução e Interpretação em Libras (Neptils) proporciona o acesso dos estudantes à tradução de materiais e a intérpretes em sala de aula. O núcleo conta com 19 intérpretes entre concursados, celetistas e bolsistas. No entanto, é comum que algumas demandas não sejam atendidas pela falta de profissionais.
Italo Cardoso, da Engenharia Civil, conta com uma dupla de intérpretes pela manhã e outros dois pela tarde. Todavia, afirma que não tem materiais acessíveis, como a tradução dos formulários da Prograd e os processos do SEI. Além disso, um problema perceptível é a dificuldade que as pessoas surdas possuem de aprender remotamente, visto que a tela fica muito pequena e não é possível enxergar os sinais.
A falta de acessibilidade aos materiais é vista pelo Núcleo, mas ainda é um problema que aguarda solução. “Nós podemos atender, mas não conseguimos atender. Os intérpretes estão com a carga horária cheia”, explica Diego Barbosa, coordenador do Neptils. Ademais, ele menciona que colocar intérpretes em sala de aula só resolve uma parte do problema, mas que os alunos surdos continuam sem conseguir transitar pela Universidade.
Edição: Lara Fabian
类别: Sociedade