Pop e negritude

Pop, Negritude e Narrativa: A Quem Interessa Apagar a Diversidade?

Por: Jônatas Ferreira de Jesus

Durante os preparativos para o show de Lady Gaga em Copacabana, em meio ao tumulto de pessoas em frente ao Copacabana Palace aguardando a chegada da cantora, o influenciador negro Anderson Ricardo gerou polêmica ao sugerir uma possível irrelevância da diva pop para o público negro. Em seu vídeo, claramente tendencioso e sem dados suficientes para sustentar suas conclusões, o criador de conteúdo entrevistou pessoas negras e brancas, questionando o que elas achavam do show da cantora .

No vídeo, as pessoas brancas abordadas por ele, que elogiam a cantora e destacam sua importância para o mundo pop, são visivelmente membros da comunidade LGBTQIAPN+, enquanto os demais entrevistados negros, que expressam desinteresse ou afirmam não se importar com o show, são trabalhadores e trabalhadoras da região,  heterossexuais – sendo ainda o público que aconpanha a cantora majoritariamente composto por pessoas LGBTQIAPN+.

Com o objetivo de descreditar a relevância da artista para o público negro, o influenciador omitiu a presença de pessoas negras LGBT+ e admiradores de Lady Gaga, que também estavam no local, a fim de construir a narrativa que desejava. Isso gerou uma enxurrada de comentários preconceituosos e homofóbicos na publicação. Sem nenhuma responsabilidade ao tratar dos fatos e do público negro, o influenciador não apenas invalidou a existência de pessoas negras e gays, mas também fortaleceu um discurso sexista e racista ao associar esse público ao estigma de que pessoas negras e "masculinas" o suficiente não deveriam se interessar por atrações do universo pop. Anderson fez isso ao incluir em seu vídeo apenas os comentários de entrevistados intencionalmente selecionados negligenciando a diversidade dentro do próprio público negro.

Essa manipulação de narrativa distorce a realidade e também perpetua ideias preconceituosas que ainda são predominantes na sociedade. Ao excluir os fãs negros LGBT+ de Lady Gaga, o influenciador reforça um estigma que limita a liberdade de expressão e os gostos culturais de grupos historicamente marginalizados. A ideia de que "pessoas negras não devem gostar de música pop" ou que apenas um tipo específico de negro (aqueles mais alinhados ao estereótipo de masculinidade rígida) deve ser considerado dentro da "norma" cultural, alimenta a exclusão.

É evidente o impacto nocivo dessa narrativa, que perpetua divisões e preconceitos. Além de distorcer a imagem do público negro como diversificado e plural, o que reforça a segregação dentro da própria comunidade, minando o espaço de representatividade que artistas como Lady Gaga têm trabalhado arduamente para construir. Essa omissão, que visa simplificar a questão da popularidade de um ícone global, acaba por criar uma polarização desnecessária entre os diferentes grupos sociais.

A falta de responsabilidade ao tratar de temas sensíveis destaca a necessidade de um olhar crítico ao abordar questões relacionadas à cultura pop e à identidade racial, sem distorcer as experiências de diversos grupos. Além disso, é importante ressaltar que a subjetividade, característica de todos os indivíduos, não é exclusiva de pessoas brancas. A cultura pop, e qualquer outra forma de expressão artística, deve ser compreendida como um espaço inclusivo e plural, onde pessoas de diferentes raças, orientações sexuais e identidades de gênero podem se sentir representadas e fortalecidas.

Portanto, Anderson falhou ao não representar de maneira justa e equilibrada a multiplicidade de vozes e preferências dentro da comunidade negra. Comprometendo a objetividade e a integridade de sua análise, ele contribuiu para reforçar estereótipos e excluir aqueles que, em suas diferentes formas de ser e de amar, são igualmente fãs da artista. A reflexão que se deve tirar disso é que a cultura pop é, ou deveria ser democrática, um lugar onde todos têm o direito de se expressar, independente de sua cor, sexualidade ou gênero.

Episódios como  este nos lembram da importância de questionar narrativas simplificadas e de, sempre que possível, dar visibilidade a vozes que normalmente são escondidas e apagadas, principalmente quando pertencem a comunidades historicamente marginalizadas.

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