Café com Deus Pai, mas com milhares de seguidores à mesa
Por: Lara Fabian
É comum que se abra uma atualização de algum perfil conhecido no Instagram e apareça, de imediato, a imagem de um livro de reflexões e mensagens bíblicas com xícaras de café esteticamente colocadas ao lado da palavra de Deus. Tudo normal, até os algoritmos tomarem conta, também, da fé e tornarem o sagrado, individual e genuíno; palco e produto de auto divulgação na internet.
O momento com Deus e a fé são inquestionáveis, mas assim como em qualquer outro campo, as redes sociais fizeram questão de transformar o cotidiano e humano em vitrine. Quase tudo se tornou compartilhável com o Outro — aquele que, muitas vezes, não é nem conhecido. O problema é quando o espiritual se torna supérfluo, quando a aparência e os filtros tomam conta de uma realidade paralela ao verdadeiro real. A sociedade do desempenho se empenha cada vez mais na autopromoção de uma imagem, diz Byung-Chul Han. Na verdade, pouco importa o crescimento espiritual e pessoal longe das telas. O que parece é que a frase popular deixou de ser contada em tom de brincadeira e se tornou real: quem não é visto, não é lembrado. Nem por si próprio.
“Tudo que era diretamente vivido tornou-se uma representação”. Estamos na sua Sociedade do Espetáculo, diz Guy Debord. Por isso, a demonstração de fé espetacularizada criou uma película sobre a espiritualidade genuína. Há quem tome café com Deus pai e há quem tome café com Deus, o pai, e mais alguns seguidores à mesa. O espalhar a palavra encontrou uma linha tênue entre alcançar quem precisa ser tocado e quem pode gerar métricas nas redes sociais. A fé, capturada pela lógica da internet, passou a seguir padrões estéticos em torno de uma imagem. O conteúdo das mensagens e reflexões se tornou mercadológico — uma busca por curtidas, comentários e compartilhamentos.
A crítica não mora no testemunho da fé, mas sim quando esse manifesto se confunde com mera exposição. Assim como padrões estéticos associados ao corpo e a saúde, a exploração de uma cultura de um devocional estético, impecável e inserido em uma rotina ideal pode alimentar padrões irreais de fé. Talvez o café com Deus, em mesa farta e com a presença de quem o chama de pai, seja sim o início de um bom dia. Mas como na Santa Ceia, quem senta à mesa celebra a vida eterna?