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Existem duas Goiânias : a que tem o título de cidade mais arborizada e a que eu vivo

Por: Paula Syang

 

Em 2023, a Organização das Nações Unidas (ONU) deu à Goiânia o título de Cidade Arborizada do Mundo, o qual reconhecia o empenho da capital em manter mais de 1 milhão de áreas verdes em seu território. Já neste ano, foi divulgado um censo realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que a mesma cidade aparecia no segundo lugar de um ranking semelhante: 89,6% da população vivia em logradouros (avenidas, ruas e praças) com uma ou mais árvores. E olhando para essas informações, além de perceber a estranha desconexão temporal delas, são também quase inacreditáveis para mim.

 

A ONU, que foi procurada pelo G1, não retornou para explicar o desencontro de informações. O que me faz questionar sobre quais critérios e quais dados eles se pautaram para agraciar Goiânia com tal título. Uma vez que é difícil acreditar que o poder público da capital, como conhecemos, tenha se empenhado para mudar o cenário encontrado em 2022 - o que resultaria, em somente um ano, ultrapassar Campo Grande, que no censo do IBGE ficou em primeiro lugar com 91%.

 

O descaso com a natureza goiana não é algo próprio de uma gestão ou outra, mas o resultado de anos de desleixo. Por exemplo, desde antes da virada do século, que o Rio Meia Ponte passou de um local de lazer, para um esgoto a céu aberto; e também, dar relevância a esses dados quando uma única árvore, de um lote residencial, é o suficiente para considerar a cidade apta a uma porcentagem tão alta de arborização, é absurdo, porque estamos nos pautando em uma métrica muito baixa.

 

Um artigo publicado pelo mestre em História Ambiental, Fernando da Silva Ribeiro, em 2021, pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), intitulado “A cidade e o rio: entre a preservação e o descaso do Meia Ponte em Goiânia (1933 - 2020)”, conta sobre o processo histórico de apropriação indevida do Rio. Segundo ele, a partir de 1950, a capital recebeu grande quantidade de imigrantes na busca por melhores oportunidades. Mas o centro foi oferecido exclusivamente a quem detinha grande poder aquisitivo, enquanto as periferias sobraram para quem ajudou a construir a cidade e quem chegou depois, sendo as dependências do Meia Ponte um desses destinos da moradia irregular. Assim, dejetos foram despejados no corpo d'água, como acontece até os dias de hoje, já que morar na margem da cidade é sinônimo de ausência de saneamento básico.

 

Já sobre as árvores, é bastante comum vermos várias delas caídas nas ruas da cidade após algumas horas de chuva, o que mobilizou a nova gestão, sob o comando de Sandro Mabel, a mapear e retirar aquelas que apresentam risco de queda. A ação é positiva no campo da infraestrutura, porém, não foi divulgado nenhum plano no que diz respeito ao plantio de novas unidades. Então, a porcentagem de áreas arborizadas só vai cair, uma vez que não há políticas públicas de replantio em Goiânia. E ainda em 2025 foi divulgado pela Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), que Goiânia possui, na verdade, 950 mil árvores, e, aparentemente, com a nova política da prefeitura, os números não se manterão como tal - observe que esse é mais um dado que difere do que foi falado pela ONU.

 

Enquanto isso, vemos a crise climática se acentuando cada dia mais, o aquecimento global, que antes era um medo, agora é a dura realidade, o qual, aliás, fez as temperaturas da capital goiana ultrapassarem os 40°C em setembro de 2024 - sendo, até então, a mais alta já registrada -, ou no outro extremo, causou alagamentos, por vezes fatais, em áreas como a da Marginal Botafogo. Quando os impactos disso seriam amenizados se tivéssemos representantes políticos preocupados com o meio ambiente, afinal, as árvores auxiliam na mitigação do calor, reduzem a poluição sonora, além de melhorar a qualidade do ar.

 

Mas, em Goiânia, só é preciso um olhar atento para perceber que há uma quantidade discrepante de áreas verdes em avenidas principais, como a Avenida Goiás e Anhanguera; em bairros de classe alta; e nos parques da cidade; caso a régua de comparação seja com a quantidade delas presentes nos bairros mais distantes do centro. Ou seja, além do desprezo pela conservação do meio ambiente, a população goiana mais vulnerável também é alvo de uma desigualdade ambiental.

 

Por isso, o melhor a se fazer com o título da ONU e com a estatística do IBGE, é planejar, e executar políticas públicas ambiciosas que visam transformar Goiânia em uma cidade verdadeiramente e amplamente arborizada, e que além disso, também tenha um relacionamento harmônico com outros elementos do meio ambiente. Nesse sentido, é urgente que os parlamentares goianos se mobilizem para conscientizar e preservar a natureza, que se integrem em conferências climáticas, como a COP 30 - a qual acontecerá no Brasil, em novembro -, além de punir atos de degradação ambiental que acontecem em todo o território goiano - a exemplo do Projeto de Lei n° 274/2023 que garante direitos legais e reconhece o rio Meia Ponte como entidade viva, de autoria da vereadora Kátia Maria (PT).

 

Também cabe a nós, os moradores da cidade, o compromisso de escolher políticos que se preocupem em proteger a natureza, principalmente em um mundo onde as grandes empresas e nações estão se esquecendo que para haver progresso, precisamos estar vivos, sendo a natureza a grande responsável pela nossa existência.

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