"Chat GPT, explique para mim, de forma simplificada, o termo: Humano Ex-Machina"
Por: Raul Modesto Mendes Filho
Poemas em prosa contendo mensagens vazias, imagens de coisas inexistentes, áudios com falas nunca antes ditas, vídeos falsos de pessoas fazendo ações que nunca fariam, músicas inteiras criadas em questão de segundos. O método de geração por Inteligência Artificial (IA) é, hoje, totalmente popular e difundido em diferentes meios de convivência humana, já tendo penetrado em nossa rotina diária e instaurado suas raízes no solo de nossas vidas. Como estudante universitário e estagiário, eu tenho notado que o uso de IA tem cada vez mais ganhado notoriedade e a frase “pergunta pro Chat” se tornou algo tão comum quanto um “bom dia” ou “obrigado”. Em dado momento, um de meus amigos utilizou a IA para gerar um resumo de textos que cairiam em uma prova para ele utilizar como material de estudo. Em outro, um de meus colegas de sala utilizou da ferramenta para ideias sobre o que escrever em seu texto. E, por fim, o que mais me chocou: um de meus colegas de trabalho utilizando da IA para pedir conselhos sobre seus relacionamentos.
Eu não estou brincando quando digo que décadas de filmes distópicos sobre os perigos da tecnologia desenfreada parecem ter sido a maior base de dados para a criação das ferramentas de IA atuais. Se o mundo é escrito por um deus, ele com certeza tem um ótimo senso de humor. É claro, a dependência por tecnologia não deveria ser uma surpresa para alguém que vive na atual conjuntura da sociedade moderna. Escrevo esse texto em um computador, recebo mensagens em um celular, passo minhas horas livres mergulhando em universos fictícios de jogos e filmes, acordo todo dia graças a um alarme eletrônico e resfrio meu quarto com um ar condicionado.
O problema não é a presença da tecnologia, algo que já virou piada interna entre meus amigos sempre que eu critico a IA perto deles. O problema é a fixação cada vez maior em priorizar essa falsa realidade proporcionada pela tecnologia, tudo enquanto se enterra o esforço humano e a beleza da humanidade. Muito se debateu sobre as implicações por trás da capacidade de gerar uma foto/desenho utilizando como banco de dados as fotos e desenhos de outras pessoas que não deram a devida autorização para isso. Para muitos, a implicação é claramente de direitos autorais mas, para mim, o problema vai muito além disso, ele é intrinsecamente humano. Quando se usa uma máquina para gerar um desenho, você está conscientemente excluindo o ser humano da equação e, por conseguinte, também está excluindo a paixão, a emoção e a criatividade humanas, substituindo-as por uma réplica de um robô. O mesmo conta para músicas, textos e, no geral, qualquer coisa que normalmente se utilizaria do método de geração por Inteligência Artificial, desde o resumo para estudar uma prova até os conselhos amorosos para seu relacionamento. A constante utilização da IA para substituir o esforço foi o que me motivou a apelidar a tecnologia de “ápice da obsolência humana”, condição de quando o humano começa a desistir de ser o que o torna ele mesmo.
Eu não gosto de pagar de moralista - embora muitas vezes eu o faça sem perceber - mas há um problema profundo em substituir o esforço em prol de uma tecnologia que o fará sem amor. Um poema sem humano não é um poema, é apenas uma união de termos que estatisticamente melhor combinam para reproduzir aquilo que a máquina erroneamente chama de “amor”. Assim como a geração de conteúdo falso, como vídeos, só dificulta ainda mais a luta pela manutenção da verdade. Com um número já exorbitante de fake news e boatos que podem destruir a vida de uma pessoa em míseros 5 minutos, alimentar o banco de dados de uma IA com mais conteúdo para isso não vai melhorar as coisas. A própria fixação das Big Techs com a falsa realidade das IAs já levanta uma bandeira vermelha do perigo que essa ferramenta possui. Tudo hoje possui uma IA, brutalmente enfiada goela abaixo pelas grandes empresas do ramo tecnológico. O Google possui uma IA que te diz o resultado de uma pesquisa (mesmo que a resposta seja falsa ou errada), roubando as informações de vários sites e compilando-as , sem preocupação com a veracidade, permitindo que a empresa supra a necessidade de seus clientes mas sem pagar os sites pela informação roubada. A Microsoft possui uma IA que tira prints da tela de seu computador, chegando a invadir sua privacidade e usando suas informações como bem entenderem, incluindo senhas, endereço e outros.
São tantos os problemas por trás de ferramentas que podem ser utilizadas para criar imagens falsas, desenhos falsos, áudios falsos, vídeos falsos, textos falsos, que eu poderia escrever um texto por 7 dias seguidos que eu ainda não conseguiria citar todos os problemas. É por isso que eu não consigo entender a falta de preocupação ou a aversão a minha preocupação com essa tecnologia. Eu já vi IA sendo utilizada para ajudar a detectar padrões de câncer de mama antes dele realmente aparecer. Eu já vi IA sendo utilizada para auxiliar animadores a controlar o movimento de seus personagens 3D. Eu já vi IA sendo utilizada por motivos bons, auxiliando pessoas, facilitando seus trabalhos, mas não os substituindo por completo. Esse é o uso devido da tecnologia, não o método de geração artificial. Essa ferramenta deveria ajudar a humanidade, não substituí-la. Afinal, nosso uso desenfreado dessa tecnologia poderia ser visto como um sinal de que nós podemos ser substituídos por ela, o que facilita que grandes empresas utilizem o mesmo pensamento para substituir os humanos, novamente, sacrificando o amor.
Ainda me lembro de um professor dizendo em alto e bom tom “Eu preciso entender como a IA funciona para ser melhor do que ela e provar que eu não posso ser substituído por ela”. Essa é uma filosofia que eu sigo. Eu entendo a IA e tenho muito medo dela e do seu impacto na nossa sociedade, na nossa mente, no que nos torna humanos. A Inteligência Artificial nos divide, nos separa do pensamento crítico, nos torna incapazes de agir por conta própria, como é o caso de um jovem que vi nas redes sociais que relatou ter dificuldades de fazer qualquer coisa sem antes perguntar ao Chat GPT.
“Eu nunca desejaria incorporar essa tecnologia ao meu trabalho. Sinto fortemente que isso é um insulto à própria vida”
-Hayao Miyazaki, diretor do estúdio de animação “Studio Ghibli”
Eu sei que minha preocupação pode parecer infundada ou exagerada. Um de meus amigos, brincando, me chamou de um “ludista da nova geração” em referência ao movimento ludista que tentava quebrar as máquinas geradas na Revolução Industrial para forçar os donos de fábricas a pararem de utilizá-las. Mas acredito que isso vai além do que apenas uma revolta contra uma tecnologia que temo por não conhecer (afinal, não conheço metade do que forma meu celular e ainda confio nele para muitas atividades), isso vai além da recusa do “progresso” (seja lá o que progresso significa atualmente). Essa minha revolta parte do meu desespero, minha raiva ao ver, mais uma vez, empresas dominantes do sistema capitalista buscando mais uma forma de nos separar, nos substituir e precarizar nossas vidas, tudo isso enquanto sorrimos e nos despedimos da nossa humanidade, nossas emoções e sentimentos, nossos esforços, lutas, conquistas, tudo para tentar cortar caminhos e criar atalhos em ruas sombrias que o próprio sistema forjou para nós. A inteligência artificial já foi utilizada para coisas boas, que verdadeiramente ajudam os seres humanos. Mas a difusão da IA generativa é um perigo a tantos setores criativos.
Eu já perdi minha fé em muitas coisas. Já perdi a esperança de lutar contra muitas outras. Mas se tem uma coisa que eu não quero perder, é a minha alma, aquilo que me torna humano, que me torna vivo.
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