Religiões Afro-Brasileiras em Goiânia
A resiliência de um povo que sobreviveu e uma cultura que prevalece
Por: Geovanna Siqueira
As comunidades tradicionais são grupos que mantêm valores e modos de vida que foram trazidos pelos africanos para o Brasil durante o sistema escravista. Esses valores permitiram a continuidade de elementos da cultura africana no país, criando territórios próprios. Nesses territórios, as pessoas vivem em comunidade, acolhem-se uns aos outros e prestam apoio e serviços à própria comunidade.
De acordo com Sônia Cleide, mãe de santo e recente candidata a vereadora, com expansão das religiões pelo Brasil, algumas foram criadas aqui mesmo, mas seguindo os costumes do país de origem. Essas são as religiões afro-brasileiras, sendo principalmente a Umbanda e Quimbanda.
As religiões de Matriz africana, são aquelas que preservam até hoje toda a cultura africana, os cultos são realizados na língua africana, as danças e as músicas são cantadas e dançadas na língua e na origem da África, os instrumentos usados, tradições de iniciação na religião e até a alimentação são únicas da África. Sendo exemplificada principalmente pelo candomblé.
Invisibilidade
Clarissa Adjuto, que atualmente é professora do Curso de História da Universidade Federal de Jataí, explica que existem comunidades que evitam identificar a parte externa do terreiro com o intuito de se protegerem dos ataques motivados pelo racismo religioso.
Por isso, há o costume de terreiros se registrarem como centros espíritas ou kardecistas. “É muito comum pensarmos se tratar de um centro kardecista e não de um terreiro umbandista, uma realidade que acaba funcionando como uma estratégia de proteção contra ataques impulsionados pelo racismo religioso” conta Clarissa.
Mariléia Lasprilla, presidente do Movimento Agô e pós-graduanda em políticas públicas, acredita que o costume de registrar casas de candomblé como centro espíritas ou associação, vem não só do medo de perseguição e violência, mas também do que historicamente é chamado de inquisição religiosa da igreja católica.
De acordo com o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) centralizado em Goiânia, a população goiana totalizava 1.302.001 pessoas, dessas, 1.064 faziam parte da Umbanda, que era equivalente a 0,08% dos habitantes. Já no Candomblé, foram registradas 177 pessoas, sendo 0,01% dos cidadãos.
Enquanto a quantidade de registros lançados só da religião evangélica, independente da vertente, somavam 844.910, resultando em mais da metade da população goiana daquele ano. E os católicos eram 662.570 pessoas, que sozinhos também seriam classificados como metade dos habitantes da época.
Para Mariléia Lasprilla, o censo do IBGE não está de acordo com a realidade ainda em 2010: “Se a gente não está legalizado, nós não existimos. Se nós não temos registro, se não temos CNPJ, então a gente não existe para a sociedade nem para o Estado. Se a gente não existe para o Estado, como vamos requerer políticas públicas, ou requerer os nossos direitos como o povo de terreiro, sendo que a gente não existe por não termos registros?" relata.
Intolerância
Mariléia Lasprilla relembrou o caso do artista Tatti Moreno, que em 2003 realizou uma exposição de esculturas de orixás no Parque Vaca Brava em homenagem ao Dia da Consciência Negra daquele ano. Ela comenta que alguns entrevistados pelo Diário da Manhã, viram como um ato ofensivo à população goiana, ignorando a existência dessa cultura na capital.
“O problema é que eles querem que a gente sempre faça as coisas caladinho, escondido, nas periferias. Você não pode sair e ir pra um setor elitizado, como o Bueno, num lugar onde vai elite ou na frente de um shopping, né? Porque ali você vai ter uma visibilidade e eles não querem isso” Mariléia relembra magoada.
Joaquim Adorno, delegado da Delegacia Estadual de Atendimento à Vítima de Crimes Raciais e de Intolerância, comenta que um comportamento social pode ser mais perigoso do que o individual, pois esse pensamento pode se desenvolver para ações violentas e organizadas. E percebeu que desde 2021, esse comportamento é mais comum, pois um assunto restrito se tornou referência para se dirigir contra ou a favor de grupos políticos.
Acolhimento
O Movimento Agô faz, junto ao povo de terreiro, um trabalho de conscientização sobre a importância de se registrar como ordem religiosa. “Não é um trabalho fácil, porque o nosso povo teve que se esconder nos últimos 500 anos. Na época da escravidão, era esconder que a gente cultuava orixá, era esconder que os nossos orixás eram e são negros, esconder que a gente é macumbeiro” a presidente conclui.
Tanto os terreiros, quanto o Movimento Agô, é um espaço acolhedor, onde qualquer pessoa que tenha problema e bater na porta, será atendida. A presidenta conta que o terreiro também faz um trabalho social, acolhe as pessoas onde o braço do Estado não chega, seja pessoas em situação de rua, pessoas que não têm onde morar, pessoas que estão passando fome, mulheres que estão em estado de vulnerabilidade e às vezes até adolescentes rejeitados por não serem aceitos em casa devido ao gênero ou a sexualidade.
Essas pessoas são acolhidas e são tratadas de uma forma tradicional, através de banho, processos de limpeza, através do Bori – Ritual feito não apenas na iniciação, mas sempre que o filho se sentir inseguro, fraco, ou precisando de ajuda, com o objetivo de diminuir a ansiedade, o medo, a insegurança– ou através de alguma outra tradição africana. A limpeza tira a negatividade pra poder melhorar o equilíbrio daquele cidadão para que ele possa conseguir interagir com a sociedade. Mariléia conta que a pessoa não é obrigada a ser iniciada na tradição, na religião, ou se tornar pertencente, ela é acolhida e ajudada.
Para realizar denúncias, a DEACRI atende pelo número 197 ou ir diretamente à unidade em Goiânia, localizada na praça do Violeiro no Setor Urias Magalhães, avenida Solar. E para denúncias fora da cidade de Goiânia, o delegado Joaquim aconselha procurar a delegacia de polícia mais próxima e fazer a ocorrência que o caso vai ser direcionado para a sede na capital. “Somos uma unidade que atende o estado todo, mas a lei que nos criou [a delegacia] nos permite orientar todas as outras unidades", assegura o delegado.
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