Cobertura jornalística e visão do eixo Rio-SP sobre a COP-30: preconceito disfarçado de análise crítica contra Belém
Enquanto o país não superar esse olhar colonial da mídia tradicional e seu viés centralista, narrativas preconceituosas continuarão a marginalizar regiões que merecem voz e protagonismo.
Por Alexandre Elias
A escolha de Belém como sede da COP-30 (Conferência do Clima da ONU, 2025) é, inegavelmente, um marco significativo para o Brasil. Não apenas por se tratar de um debate global sobre o futuro climático, mas por ser uma COP marcante por estar justamente no coração da Amazônia. Sabemos que todas as COPs carregam problemas de logística, desafios de infraestrutura inerentes e metas que muitas vezes ficam apenas na teoria. Dessa vez, a COP-30 se encontra numa situação delicada: a poucos meses do evento, ainda há países que nem sequer confirmaram presença pela dificuldade de reservas locais ou planos climáticos pendentes.
Diante de toda essa situação, podemos observar que, embora estejamos num momento de desafios reais, a mídia tradicional do eixo Rio-SP ainda faz duras críticas — que, no fundo, podem ser encaradas como preconceito contra os paraenses, reforçando estereótipos regionais.
Podemos observar, por exemplo, a opinião da revista internacional The Economist, que fez uma descrição estigmatizante de Belém: “Esburacada na Amazônia brasileira, quente, pontilhada de esgoto a céu aberto e com poucos leitos de hotel”, fazendo a conclusão alarmista de que a COP-30 “certamente será caótica”.
Fora essa crítica de âmbito internacional, também temos a Folha de S. Paulo, que questiona se Belém realmente tem estrutura para receber uma COP. Lembramos que Belém é uma metrópole com aproximadamente 1,5 milhão de habitantes e que anualmente recebe a maior manifestação religiosa católica do Brasil, o Círio de Nazaré, chegando a reunir até dois milhões de pessoas na cidade. O tom colocado pela Folha de S. Paulo e pelo Jornal O Globo, enfatizando supostas dificuldades como exclusividade do Norte, não foi o mesmo em épocas da Rio+20 (2012) ou da Copa do Mundo (2014) no Sudeste. Naquela época, os problemas eram tratados como “desafios normais”, mas em Belém, as dificuldades são retratadas como “incapacidade local”.
O que se revela é um padrão claro de indignação seletiva. O preconceito se aprofunda quando percebemos que a cobertura não se limita a questionar a infraestrutura, mas a tratar Belém como um “lugar exótico”. Há comentários, como o de um analista da Globo, que chegou a indagar se os delegados internacionais iriam aguentar o calor e os mosquitos, como se Belém fosse uma selva. Além disso, a cobertura da grande mídia do eixo se demonstra centralista, pois poucos veículos ouviram especialistas amazônicos ou lideranças locais. As fontes privilegiadas eram, em sua maioria, pesquisadores ou políticos do Sudeste, reforçando a ideia de que a Amazônia precisa ser gerida de fora, acentuando a desigualdade entre Sudeste e Norte.
É preciso olhar para essa cobertura midiática com a mesma criticidade que se olha para a Conferência. Fica evidente que a narrativa alarmista e seletiva da imprensa Rio-SP, ao generalizar e estigmatizar Belém, minimiza a capacidade local. Afinal, Belém, que junto a Manaus se destaca como maior cidade da Amazônia, é mais do que capaz de sediar um evento global, e sua importância estratégica para o clima é inquestionável. Contudo, a dor maior da Amazônia, exposta inexoravelmente para o mundo na CO-P30, decorre da ausência do Estado (Governo Federal), e não de uma suposta "incapacidade" paraense.
A questão climática, como bem pontuou a ex-ministra Izabella Teixeira, não é de ambientalistas, mas sim de desenvolvimento econômico e social. Portanto, o foco do debate deveria ser a exigência de intervenções sérias e federais em saneamento, saúde, educação e habitação.
Enquanto o país não superar esse olhar colonial da mídia tradicional e seu viés centralista, narrativas preconceituosas continuarão a marginalizar regiões que merecem voz e protagonismo. A imprensa precisa, urgentemente, adotar uma postura mais reflexiva e inclusiva no debate, pois a narrativa sobre a Amazônia molda as políticas e o respeito às populações que lá vivem.
Reportagem produzida para a disciplina "Produção de texto jornalístico III" sob a supervisão da professora Erica Neves.
Categorias: Opinião Meio ambiente