Humor ou crime? Os limites da liberdade de expressão no caso Léo Lins
Condenado a 8 anos de prisão, o humorista Léo Lins, de 43 anos, reacende o debate sobre liberdade de expressão e discurso de ódio
Por: Kamilly Vitória Almeida de Carvalho
Em maio de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a remoção do especial de comédia “Perturbador”, do humorista Léo Lins, da plataforma YouTube. O vídeo, que já havia sido retirado do ar em dezembro do ano anterior, acumulava mais de 3 milhões de visualizações. A polêmica ganhou força após a viralização, nas redes sociais, de um trecho gravado durante um show em Curitiba. No material, Léo Lins faz piadas direcionadas a diversos grupos sociais considerados minorias, o que gerou intensa repercussão. Entre os alvos das piadas, classificadas por muitos como ofensivas e vexatórias, estavam negros, idosos, obesos, pessoas vivendo com HIV, homossexuais, povos originários, nordestinos, evangélicos, judeus e pessoas com deficiência (PCDs).
Humor sem limites ou ofensa disfarçada? O dilema da liberdade de expressão
Na época, Léo Lins se manifestou nas redes sociais criticando a medida. Ele chegou a fazer uma contagem regressiva até a data em que o vídeo seria removido. A publicação, no entanto, foi posteriormente apagada.
“O show está fora do ar. Este processo tem consequências absurdas. Há muito mais em jogo. A justificativa usada para remover meu especial pode ser aplicada a 95% dos shows de stand-up. Estão igualando uma expressão artística a um ato criminoso”, escreveu o humorista, acrescentando que seu advogado preparava a defesa e que ele pretendia publicar um vídeo explicando o caso.
Mas será mesmo que são só piadas? Será mesmo que é só um personagem? Será mesmo que é só a geração “mimimi” que não aguenta mais ficar sem militar até mesmo em cima de um trabalho artístico?
Bom, a Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 5º, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. No entanto, essa liberdade não é absoluta. O mesmo texto constitucional prevê, no inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Além disso, o artigo 220 reforça que a manifestação do pensamento é livre, mas veda o anonimato e estabelece que não pode ser utilizada para incitar ódio, discriminação ou violência.
Afinal, o que são piadas?
Com tudo isso, retomemos a pergunta: será mesmo que são só piadas? O Dicionário Online de Português define “piada” como um dito com a intenção de fazer rir; anedota; conversa fiada; lorota, ou ainda como “dito obsceno ou picante que busca ser engraçado”. No entanto, quando analisamos as falas de Léo Lins, percebemos que suas “piadas” ultrapassam o mero intuito de divertir. Para aqueles que não se encaixam nos padrões que ele escolhe humilhar, o riso dá lugar à dor. Muitos podem reduzir a crítica a um suposto “mimimi” da nossa geração, mas é impossível ignorar a verdade escancarada! Há sim ódio em cada um de seus shows.
Podemos separar alguns exemplos do tipo de humor que o comediante costuma adotar:
Xenofobia
“Você pegar voo para o Nordeste é uma experiência, porque tem umas pessoas com aparência primitiva […] Anda em 2D, parece um caranguejo.”
“Tem ser humano que não é 100% humano. O nordestino do avião? 72%.”
Gordofobia
“Gordofobia é medo de gordo. Se tem uma coisa que eu não tenho medo é o gordo. A não ser que eu fosse feito de Nutella. Ia ficar tenso na rua, tô no celular, aí lambe a minha bunda. Ei, quem é esse? Preciso me esconder, onde é que tem uma academia aqui, hein?”
Homofobia
“O cara deixou assim: ‘Sou gordo! Adoro comer e não gosto de fazer exercício. Como vou emagrecer?’ Pegando Aids! Você não adora comer de tudo? Sai comendo gay sem camisinha! Uma hora vai dar certo! Essa piada pode parecer um pouco preconceituosa, porque é.”
(O próprio humorista reconhece, de forma cínica, o caráter preconceituoso de suas falas.)
Pedofilia
“Sou totalmente contra a pedofilia, sou mais a favor do incesto. Se for abusar de uma criança, abusa do seu filho, ele vai fazer o quê? Contar para o pai?”
Essas não são simples anedotas. São declarações que beiram a normalização da violência, transformando em espetáculo aquilo que deveria ser combatido. Como considerar engraçado um conteúdo que reforça preconceitos, desumaniza grupos e até faz apologia a crimes? E o que deixa tudo mais grave e nojento é que tudo isso é aplaudido e monetizado sob a desculpa da “liberdade de expressão”.
É aqui que precisamos refletir: até onde a liberdade de expressão pode ir? Em uma sociedade em que a mídia influencia o que se torna público, a luta pela liberdade de expressão não pode ser confundida com licença para agredir. A Constituição protege o direito de se manifestar, mas também protege a honra, a dignidade e a integridade das pessoas. Não se trata de censura, mas de responsabilidade!
Permitir que falas como as de Léo Lins sejam normalizadas é abrir espaço para que o discurso de ódio se disfarce de piada e enfraqueça os pilares democráticos. Seguidores que defendem cegamente esse tipo de humor e o próprio comediante representam uma ameaça à democracia quando transformam a liberdade de expressão em escudo para o preconceito.
As pessoas precisam compreender que a lei é muito clara: quando a “brincadeira” se transforma em ofensa que atinge um indivíduo ou grupo social, isso é crime! Exigir responsabilização judicial não é calar vozes, mas sim proteger direitos. O que está em jogo não é o direito de fazer rir, e sim o direito de não ser reduzido a estereótipos humilhantes em nome de uma suposta comédia.
Por fim, a liberdade de expressão é um pilar essencial da democracia, mas ela não pode ser usada como um passe livre para ferir, humilhar ou desumanizar. Quando o riso se constrói sobre a dor do outro, deixa de ser arte e se torna violência simbólica. O caso de Léo Lins não é apenas sobre humor, mas sobre o limite ético e legal do que pode ser dito em nome da comédia.
Defender a responsabilização de quem ultrapassa esses limites não é censura, é justiça. É reconhecer que a democracia não se sustenta apenas no direito de falar, mas também no direito de cada cidadão de existir com dignidade, sem ser alvo constante de ataques disfarçados de piadas. Afinal, o verdadeiro teste da liberdade não está em permitir tudo, mas em proteger a sociedade quando a palavra se torna arma.
Reportagem produzida para a disciplina "Produção de texto jornalístico III" sob a supervisão da professora Erica Neves.
Categorias: Opinião liberdade de expressão