Aída dos Santos

Natureza feminina do esporte

Aída dos Santos e Rayssa Leal quebram recordes e saltam no pódio pelo Brasil

Por: Lara Fabian

 

 

A última “dança” de Marta em campo por uma Copa do Mundo Feminina era talvez o motivo de maior entusiasmo da torcida brasileira no mundial da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), no que diz respeito ao futebol feminino. No ápice da participação de mulheres brasileiras nos esportes, a maior edição da Copa prometia uma vitória esplêndida dentro e fora das quatro linhas. Mais seleções, maior premiação, maior investimento e número de transmissões. Também, o último baile da rainha do nosso futebol, Marta

Às vésperas das Olimpíadas de 2024, o esporte feminino chega com entusiasmo em seu melhor momento, mas também faz emergir a dúvida de como seria a história do esporte no Brasil se contasse, desde cedo, com o direito de participação delas. Os registros são majoritariamente masculinos, assim como a escrita da História. Segundo a historiadora do Futebol Aira Bonfim, as mulheres também foram por séculos impossibilitadas de deixar seus vestígios nas fontes históricas do século XX. “Por isso nos questionamos: haveria uma outra história possível de ser contada através das mulheres?” 

O levantamento da pesquisadora nos leva à época em que existia uma proibição de mulheres praticarem esportes que iriam contra as condições de sua “natureza”, como se futebol, luta, polo aquático e outras modalidades retirassem a mulher do ser-mulher visto socialmente. Assinado por Getúlio Vargas em 1941, o decreto-lei reforçou o estereótipo de fragilidade e funcionalidade da mulher - era proibido pelo “pé de mulher não ser feito para se meter em chuteiras”; era proibido porque era considerado contrário à natureza feminina. E durou 38 anos. 

Enquanto a Seleção Brasileira Masculina era tricampeã mundial, as mulheres ainda eram proibidas de praticar o futebol no Brasil. Após ser reafirmada durante a Ditadura Militar, somente em 1979 houve revogação da lei. O país do futebol já havia conquistado três Copas do Mundo e era o maior vencedor da competição. Nesse intervalo, sem estímulo e regulamentação, a modalidade feminina estava “nascendo” de fato. Pensando no futebol, só em 1983 existiu uma regulamentação e o início de competições, calendário e torcida. 

INVESTIMENTO 

Nos últimos anos, o esporte feminino como um todo cresceu. Isso foi reflexo do maior investimento das entidades em competições e das grandes mídias quando o assunto é transmissão e, consequentemente, alcance do público. A maior valorização financeira, por exemplo, afirma que o esporte praticado exige esforço e trabalho e reconhece que a atleta é parte dessa economia que gira em torno do esporte.

Recentemente, a FIFA aumentou a premiação da Copa do Mundo Feminina para quase três vezes o valor da última edição do torneio. Algo que também chama a atenção é a quebra de recorde de público em estádios tradicionais europeus, como Camp Nou e Wembley, em jogos do futebol feminino. Assim, é perceptível o alto potencial de rentabilidade socioeconômica da modalidade. 

A estudante de Economia e pesquisadora da economia no esporte Fernanda Paiva destacou que, com a Copa do Mundo de 2023, foi aberta a fronteira de rentabilidade que essa modalidade pode fornecer, quando devidamente incentivada, para os clubes brasileiros. “É evidente a necessidade inicial de investimentos significativos para ser minimamente atraente para o público consumir alguma modalidade esportiva feminina.” 

NO TOPO 

As brasileiras bateram o recorde de ouros na edição dos Jogos Pan-Americanos 2023. Rebeca Andrade, Izabela Rodrigues, Beatriz Ferreira, Rafaela Silva e Rayssa Leal estamparam para o mundo que o Brasil é mais que o país do futebol. Não só esses grandes nomes, uma goiana chegou ao topo de sua modalidade, apesar da falta de investimento regional e baixo reconhecimento. 

Jane Karla Rodrigues Gögel, atleta paralímpica de tiro com arco é a atual recordista da categoria Indoor, além de já ter sido a terceira colocada no ranking mundial paralímpico de tênis de mesa e a primeira brasileira a conquistar uma medalha individual do Campeonato Mundial de Tiro com Arco. Hoje, Jane reside em Portugal pela proximidade das competições, mas ressalta representar seu estado. Apesar de ser a terra de origem da recordista, ela lamenta a falta de apoio de Goiás. “É importante, mas não tenho esse suporte.” 

A atleta participou das Paralimpíadas do Rio 2016 e das Paralimpíadas de Tóquio, bateu recordes brasileiros e internacionais e hoje é a atual número um. “A gente trabalha bastante para estar liderando e graças a Deus eu consegui chegar nessa posição tão importante para o Brasil. É uma representação muito bacana. Eu já estive em primeiro no ranking mundial e agora voltei a liderar.” 

HISTÓRIA 

Apesar de adjetivar como “feminino”, segundo a ideia de Aira Bonfim em “Futebol Feminino no Brasil”, é preciso olhar sobretudo para a História do Esporte como um fenômeno que ocultou a participação de pessoas de um gênero, concepção essa que resulta em vozes pouco conhecidas e valorizadas, como a de Jane. A obra de Bonfim introduz a ideia de romper o tratamento singular que associamos ao esporte para incluir e destacar grandes nomes, como Amandinha, a rainha do Futsal. 

O esporte praticado por mulheres no Brasil antecede os campeonatos oficiais, registros em imagem e holofotes. Esse deve ser o reconhecimento hoje. Mulheres fizeram história dentro do esporte brasileiro e, ainda que pouco conhecidas, estruturaram o pódio que as dessa geração sobem. Marielly Mota, professora de educação física, comentou o reflexo da luta das atletas do passado. 

Ela atua no ensino infantil e fundamental e disse ter muitas alunas que gostam de futebol. Antes, o interesse era maior pelos meninos, mas hoje, temos maior participação feminina. Marielly acompanhou de perto a luta das jogadoras por reconhecimento e afirma: “Eu venho da época da Formiga, da Kátia Cilene. Eram atletas que jogavam muito por amor, porque não tinha reconhecimento.”

“A base vem forte”, frase reproduzida por torcedores quando jovens se mostram prósperos no esporte, enfatiza o que precisa ser feito. O investimento no esporte deve existir desde cedo para que triunfos como o de Rayssa Leal sejam mais frequentes. Maria Eduarda, atleta de futebol de 18 anos, é prova disso e destaca que ainda enfrenta preconceito em determinados ambientes. Por outro lado, “[em outros lugares] me perguntam como me sinto jogando bola e me falam o que uma atleta sempre quis ouvir: ‘vou te ver na Seleção’. Isso é gatilho para lutar mais”, disse a jogadora do Vila Nova. 

CORRER 

Sem direito a medalha, a mulher que mostrou ser possível o pódio nos Jogos Tóquio 1964 era uma mulher negra, criada na favela e crescida sem nenhum apoio. Era geógrafa e pedagoga. Aída dos Santos era a única entre toda uma delegação masculina e fez história. Apesar de abandonada, sem técnico ou material adequado, ela fez história conquistando o quarto lugar no salto em altura. 

Nas pistas de atletismo e fora delas, Aída correu para que hoje Marta, Rayssa, Jane, Beatriz, Rafaela e muitas outras pudessem jogar, lutar ou atirar. Foi ela o nome que fez possível a ação das mulheres brasileiras em tantos verbos. Nos próximos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, a esperança é de que todas saltem como a pioneira, e façam história, como cada uma até aqui.

 

 

Texto produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso, sob supervisão da professora Luciene Dias.