Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

Amor e ruínas da memória no filme ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’

Alguns filmes produzidos deveriam ser assistidos por todas as pessoas ao redor do mundo, para que possam ser absorvidos e compreendidos como histórias, ensinamentos e, claro, lições de vida. Os filmes de ficção científica, muitas vezes, são robustos e um tanto técnicos, mas há aqueles que conseguem explorar e apresentar outras narrativas dentro desse mesmo contexto. Um desses filmes é o “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” produzido pelo diretor Michel Gondry e roteirizado por Charlie Kaufman.

 

Por: Kamilly de Carvalho

A obra “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” possui um enredo emocionante, cheio de reviravoltas, emoções, conhecimento e acima de tudo, um filme sobre aprendizado. No longa, Joel, interpretado por Jim Carrey, e Clementine, vivida por Kate Winslet, formavam um casal encantador que, ao longo dos anos, tentou de todas as formas fazer com que o relacionamento desse certo. Desiludida com o fracasso do amor entre os dois, Clementine decide esquecer Joel, mas foi literalmente esquecer “para sempre” e, para isso, opta por se submeter a um tratamento experimental que tem como objetivo apagar da sua memória todos os momentos vividos com ele.

 

Após descobrir a decisão de Clementine, Joel entra em depressão, frustrado por ainda estar apaixonado por alguém que deseja esquecê-lo. Determinado a superar a situação, Joel também se submete ao mesmo tratamento experimental. No entanto, o processo toma rumos inesperados, e o experimento não acontece como o planejado. Ao longo do filme, diversas reviravoltas acontecem, alterando as atitudes e decisões de ambos de maneira surpreendente. Um dos aspectos mais fascinantes dos bastidores de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças é observar a transformação de Jim Carrey em cena. No filme, Joel Barish é um homem introspectivo e contido, uma figura equilibrada e melancólica, o oposto dos personagens extravagantes e caricatos que consagraram o ator ao longo da década de 1990.

 

Naquele período, Carrey se tornou um fenômeno mundial da comédia com uma sequência de sucessos que marcaram sua carreira: Ace Ventura: Um Detetive Diferente, O Máskara e Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros, todos lançados em 1994. Anos depois, ele começou a revelar um lado mais sensível e dramático em O Show de Truman: O Show da Vida (1998), surpreendendo público e crítica. Em seguida, vieram O Grinch (2000) e Todo Poderoso (2003), que reforçaram seu domínio absoluto no humor. Justamente por esse histórico, seu desempenho em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças se destaca como algo inesperado e profundamente humano.

 

Outro ponto interessante para ser analisado é o contexto pessoal em que o longa foi filmado. Na época das gravações, em 2004, Jim Carrey atravessava um período de depressão agravado pelo fim de um relacionamento. O diretor Michel Gondry, ciente dessa fragilidade emocional, o encorajou a canalizar essa vulnerabilidade para compor Joel. O resultado foi uma das atuações mais intensas e autênticas de sua carreira, uma virada marcante que consolidou Carrey não apenas como um mestre da comédia, mas também como um intérprete capaz de mergulhar nas profundezas da dor e da memória.

 

Um mergulho sensível entre amor, memória e luto

 

Dirigido por Michel Gondry e roteirizado por Charlie Kaufman, o filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças traz inúmeras lições e reflexões para o público. Desde a escolha dos personagens e dos atores que os interpretam, até os cenários e os lugares onde a história se desenrola, tudo contribui para uma narrativa envolvente e surpreendente. Mas vamos começar pelo começo. Logo de início, o filme parece confuso e até um pouco monótono. A impressão é a de que será mais uma daquelas histórias sem pé nem cabeça, que no fim você termina sem entender nada. No entanto, conforme a trama avança, somos convidados a imergir mais profundamente e aos poucos começamos a compreender sua verdadeira proposta.

 

A maioria das pessoas, em algum momento da vida, passa por frustrações amorosas. Mesmo quando a relação foi boa, ao acabar, as memórias que antes traziam alegria podem passar a causar tristeza, angústia ou até ansiedade. Muitas vezes ouvimos pessoas dizendo que gostariam de simplesmente esquecer tudo o que viveram com alguém. Mas e se isso realmente fosse possível? Seria o mais adequado? Você gostaria de passar por esse processo?

 

É exatamente esse tipo de questionamento que o filme propõe de maneira sensível e profundamente humana. A trama se passa quase toda dentro da mente de Joel Barish. O diferencial da história está na existência de um procedimento capaz de apagar da memória lembranças indesejadas, algo que ele decide fazer ao descobrir que Clementine, sua ex-namorada, já havia feito. Tomado pela dor e pelo sentimento de rejeição, Joel opta por se submeter ao mesmo experimento. A partir daí, o filme se transforma em uma jornada emocional por cada momento vivido com Clementine, sejam eles felizes ou dolorosos.

 

Ao longo desse processo mental, Joel começa a perceber (ainda dentro de sua própria mente enquanto acontece o experimento)  que não quer realmente apagar aquelas lembranças. Mesmo que agora causem dor pela ausência de Clementine, são partes fundamentais de sua história. São pedaços de algo belo que ele viveu e que, de alguma forma, foi um aprendizado para a vida.O filme trabalha com várias camadas narrativas, entre flashbacks e cenas do presente, e consegue transmitir a angústia de tentar esquecer alguém de forma não natural, através de um experimento científico que apaga memórias, tempo e dedicação em horas ou até mesmo minutos. É tudo muito intenso e, ao mesmo tempo, extremamente sensível.

 

Jim Carrey, longe de seu estilo mais caricato, entrega uma performance contida, mas emocionalmente poderosa. Ele se encaixa perfeitamente no papel e consegue expressar, com muita verdade, o sofrimento e as diversas emoções do personagem.

 

Sem entrar em muitos spoilers, é importante destacar a mensagem principal da obra: não é natural pular etapas da vida! Especialmente quando falamos do luto pelo fim de um relacionamento em que houve amor. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças trata esse tema com ousadia e delicadeza, mostrando como é essencial vivenciar cada fase da dor, aceitar as lembranças e aprender com elas, assim um dia, elas somem ou só não serão tão emocionantes como antes. Assim como um machucado físico, o emocional também precisa passar por dor, ardência, cicatrização e até coçar, mas isso não significa que a dor será eterna. Somos humanos, e cada um lida com suas feridas de forma única. A cura é um processo.

 

O final do filme, que mostra ambos decidindo tentar novamente, foi satisfatório para o público. Alguns acham que foi “agridoce” quando o casal decide recomeçar, outros acham “tóxico”, e mais alguns acham que o final foi perfeito. No entanto, confesso que também consigo imaginar outro desfecho possível, um em que cada um seguisse seu próprio caminho, entendendo a dor com maturidade e acolhendo o luto como parte do crescimento pessoal, e assim, mostrando que é possível seguir a vida. Ainda assim, o desfecho escolhido cumpre bem seu papel e deixa uma forte mensagem no ar.

 

No fim das contas, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças é um lembrete poderoso de que esquecer não é o caminho mais saudável para curar. Aceitar, viver o luto e entender que toda dor faz parte da construção de quem somos talvez seja a lição mais preciosa que esse filme nos deixa.

 

Matéria produzida para a disciplina de Produção de Texto Jornalístico II, ministrada pela professora Érica Morais.

Categorias: Entretenimento