UFG

Quando o sonho vira rotina

O que acontece depois do “passei”?
Por: Anna Salgado

É engraçado, né? Quando a gente se acostuma com os nossos próprios sonhos que viraram realidade.
Estar na Federal sempre foi o meu maior sonho. Eu acordava pensando nisso. Era uma convicção, uma certeza: eu devia estar ali. Não existia outro lugar possível. Isso sempre foi muito claro pra mim.
Lembro de quando eu ainda estava no ensino fundamental, com 12 anos e visitei a UFG pela primeira vez. Tudo era mágico. Tudo parecia maior, mais bonito, mais vivo. Naquele dia, tive certeza: era ali o meu lugar.
Aí veio o ensino médio. E, com ele, a pandemia. No meio de tanta coisa, eu acabei esquecendo. Esqueci de quem eu era, do que sonhava. Mas, no terceiro ano, eu lembrei. Pensei: agora eu tenho que estudar. E estudei. Estudei muito, de verdade.
Todos os dias, tipo todos os dias mesmo, eu abria as listas de aprovados dos anos anteriores. Passava horas olhando os nomes de cada um que passou, as notas, a diferença da nota de corte de um ano para o outro. Olhava a lista de segunda chamada, fazia contas para ver quanto precisaria tirar em cada área para passar.
Fiz o Enem. Saí da prova, esperei meu pai estacionar o carro me segurando. Entrei no carro e chorei. Passei uma semana chorando copiosamente. Tinha certeza de que não ia conseguir. Pensava: “Minha nota não vai ser suficiente. Pelo menos me garanti na redação.” Mas, ainda assim, tinha a certeza de que não ia dar.
Na segunda semana, não queria ir, não ia, não compensava. Mas minha mãe disse: “Vai, Júlia, faz a prova pelo menos. Se der errado, a gente vê o que faz depois. Você passou na UEG.” Realmente fui, mas tinha certeza de que a UFG seria impossível, e isso me frustrava tanto. Porque eu sou imediatista: queria passar logo na UFG, naquele ano. Se não fosse naquele, parecia que nenhum outro serviria. E um dia, de forma inesperada, o Inep adiantou a divulgação das notas. Na hora em que eu vi, pensei: “Ok, talvez vá dar.”
E então veio o Sisu. E, por ironia do destino, meu imediatismo e minha ansiedade foram colocados à prova da forma mais cruel possível. O processo, que geralmente dura três ou quatro dias, na minha vez durou oito. O MEC resolveu ampliar o prazo pois estava bem no meio de um feriado. E eu, todos os dias, atualizando o site, presa entre a esperança e o medo. Será que minha nota foi suficiente? Tudo indicava que sim, eu não fiquei fora nenhum dia. Mas o medo não deixava acreditar que daria certo.
E aí chegou o dia do resultado.
Meu Deus, eu passei.
Chorei, comemorei, gritei, me pintei, fui pra praça. Foi um dos momentos mais felizes da minha vida.
Chegou o dia da matrícula. Eu só pensava: e se eu esqueci algum documento? E se der alguma coisa errada? O coração parecia que ia sair pela boca. No Centro de Convenções, aquele monte de gente, aquele barulho, e eu tremendo quando chamaram meu nome. Mal consegui assinar. Era o meu momento. Saí de lá chorando, pensando: meu Deus, quando começam as aulas?
E as aulas começaram.
E eu amei.
Amei estar na faculdade. Passava o dia inteiro lá, todos os dias. Só não ficava no domingo porque não tinha o que fazer. Tudo me encantava. Tudo parecia novo, vivo, meu.Mas o tempo passou. E, com o tempo, veio a rotina. Quase quatro anos depois, todo dia é mais ou menos igual: acordo, venho pra faculdade, almoço, vou para o estágio, volto pra casa, durmo, e assim cinco vezes por semana. Me acostumei. Comecei até a reparar nos defeitos: o prédio que precisa de reforma, o ar-condicionado que não funciona, o professor que faltou, o almoço que nem sempre está bom. Comecei a reclamar.

E então, outro dia, vi vídeos de pessoas chegando para fazer o vestibular. Elas estavam radiantes. Sorrindo, tirando fotos, empolgadas só por estar ali. Vi calouros orgulhosos, felizes por viver o que eu já vivo há tanto tempo.

Esses dias fui à formatura de uma amiga, e o pró-reitor disse uma frase que ecoou muito em mim: “Aqui (no Centro de Eventos)vocês fizeram a matrícula, quatro anos atrás, começaram o ciclo de vocês e, aqui também, hoje, vocês estão se formando, encerrando o ciclo. O primeiro e último dia da graduação de vocês é aqui”.

Foi aí que eu lembrei.

Lembrei de mim.
Lembrei que um grande algo, virou só mais um algo.

E percebi o quanto a gente se acostuma com aquilo que um dia parecia impossível. O quanto a gente esquece que está vivendo exatamente o que mais quis.

É engraçado, né? Quando o sonho deixa de ser sonho e vira só rotina.

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