asfalto

O inesperado dourado no asfalto

Transformando um simples real no asfalto em um inesperado tesouro de reflexão.

A manhã tinha aquele ritmo cruel de uma segunda-feira. Eu e meu amigo seguíamos o fluxo, os passos apressados ecoavam no concreto enquanto rumamos para a academia. Éramos apenas dois sujeitos na correria, com a mente já processando a lista de tarefas da semana. Ele falava sobre os próximos exercícios, e eu, disperso, apenas assenti.

Foi então que o padrão cinza da calçada foi sutilmente quebrado. Um círculo de metal capturou a luz do sol de um jeito que o asfalto fosco simplesmente não conseguia, obrigando-me a uma pausa.

A pausa foi abrupta, e meu amigo me olhou, estranhando o passo. “O que foi?”, ele perguntou, sem sequer olhar para baixo. Eu inclinei-me rapidamente como quem ajeita o cadarço. Olhei, e lá estava: ela, uma moeda de 5 centavos, minúscula, já oxidada, com um brilho quase teimoso. Ao segurá-la, gelada, na palma da mão, pensei em seu dono, algum apressado que havia sofrido um pequeno desfalque. Para ele, foi um pequeno revés, para mim, um achado trazido pelo acaso que havia atravessado o meu caminho por sorte.

Não era a solução dos meus problemas, claro, mas era uma prova de que a sorte, às vezes, se manifesta nos detalhes mais banais da vida diária. Sua importância, percebi, não era monetária, mas existencial. Sorri.

“Cinco centavos... o que fazemos com ela?”, perguntou o amigo.

“Jogamos a vida!”, retruquei, rindo. “Cara ou coroa para ver quem paga o café depois do treino?” Ele topou. Girei a moeda no ar e peguei ela em minha mão. Meu amigo ganhou na coroa. A sorte estava do lado dele.

 

Coloquei a moeda no bolso lateral, onde se chocou com a chave de casa, fazendo um som metálico e seco. Continuei a marcha, lado a lado com o amigo, mas agora, com os olhos mais atentos e o passo menos mecânico.

Notei que as outras pessoas e até mesmo ele, ocupado com o próximo treino, passavam por cima do local exato do achado, apressadas demais para notar o brilho ou a pequena pausa que me permiti. Quantos pequenos "tesouros" visuais ou reflexivos elas perdem por dia ao ignorarem o miúdo e o corriqueiro da existência?


A moeda recém-adquirida, por valer quase nada, exigiu um uso especial, quase poético. Pensei em quantas mãos suadas a seguraram, a história anônima que ela carrega. O baixo valor garantiu a pureza do achado; se fossem notas altas, haveria mais drama. O jogo de cara ou coroa com meu amigo nos forçou a um respiro, um momento de humanidade no meio da segunda-feira.

 

Terminamos o treino e chegamos à lanchonete da esquina. Pedi um pão de queijo e paguei a aposta.  O valor do achado não estava no metal frio, mas no tempo de observação que ele me forçou a tomar. E, no fim, transformamos um simples real no asfalto em um inesperado tesouro de reflexão, lembrando-nos de que a vida, mesmo na pressa da rotina, exige a nossa atenção total e a sensibilidade.

 

 

Autor: Alexandre Elias

Texto produzido para a disciplina de PTJ III sob a orientação da professora Érica Moraes.

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