Agricultura familiar: Como resistir às profundas mudanças climáticas e potências da agroindústria
Escrito por: Anna Júlia Martins
Reportagem produzida para a disciplina "Produção de texto jornalístico II" sob a supervisão da professora Mariza Fernandes.
Na cidade Pires do Rio, em Goiás, agricultores familiares compartilham como a diversidade dos alimentos foi comprometida pelo clima e pelo agronegócio
O papel do agricultor é essencial para a formação socioeconômica e cultural no país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de estabelecimentos agropecuários e aquicultores nacionais, cerca de 77% correspondiam à agricultura familiar.
O Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, divulgado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), mostra que esses agricultores são responsáveis pelo abastecimento do mercado, com produções sustentáveis. Além disso, principalmente em pequenos municípios com até 20 mil habitantes, os agricultores correspondem a 40% da renda da população.
Na agricultura familiar, a sucessão de pai para filho, tanto para a produção, quanto para a gestão do negócio, é um processo natural. Como é o caso da Andressa Martins, assentada em Pires do Rio, no estado de Goiás. Andressa declara que uma das maiores dificuldades durante a seca, foi para fazer o escoamento da produção, já que nenhum membro da família tinha conhecimento ou o equipamento correto para realizar.
“A gente não tinha máquina para gradear e plantar, então veio o maquinário da prefeitura, ajudou nós com essa questão, aí a gente plantou, teve a produção, só que a gente não sabia como fazer o escoamento dos produtos”, diz.
Andressa também afirma que com o auxílio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a produção e a venda dos produtos se tornou mais fácil, apesar das urgências climáticas.
O que tem afetado diretamente na produção de alimentos dos agricultores, são principalmente, as mudanças climáticas excessivas. Em outubro, Goiás alcançou os 44,5°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Já em novembro, mais de 160 cidades no estado estavam sob alerta de chuvas intensas e tempestades.
As mudanças climáticas extremas no país já são uma realidade, e carregam consequências para a saúde, economia, e principalmente para o meio ambiente - afligindo os pequenos agricultores. Sybelle Barreira, professora da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (EA/UFG) divide a agricultura familiar em dois grupos: agricultores que conseguem se inserir nas cadeias produtivas - como o agronegócio - e aqueles que não conseguem acessar as cadeias produtivas, devido a falta de alcance à tecnologia ou ao capital.
“Por exemplo, em uma falta de chuva, eu posso plantar porque eu tenho recurso financeiro, às vezes um agricultor familiar que não está inserido na cadeia, ele fica a mercê do que está acontecendo na consequência da mudança do clima”, diz a professora.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estudos projetam os futuros riscos para as regiões áridas e tropicais - como o Brasil - em que as lavouras estão sujeitas a mais estresse motivado pelo calor e secas.
“No caso de aumento da temperatura, o agricultor familiar deixa de praticar o plantio de algumas culturas porque elas não vão florescer, ou porque florescem mas produz pouca flor, ou não vai conseguir polinização eficiente, por exemplo, por conta das abelhas”, afirma.
Como a agricultura familiar enfrenta o avanço e as pressões do agronegócio
Outro problema enfrentado pelos agricultores familiares, diz respeito ao agronegócio e à industrialização. Em um país em que o agronegócio bateu recordes, a fome teve um aumento significativo, quase 37% segundo o IBGE. Enquanto isso, o setor agroindustrial foi o único que cresceu no PIB durante a pandemia, com aumento recorde de 25%.
Além disso, o governo destina 364 bilhões de reais para o agronegócio, enquanto para a agricultura familiar, que tem cerca de 70% dos alimentos consumidos por brasileiros, são destinados apenas 77 bilhões de reais.
O agricultor José Arnode viveu toda a sua trajetória trabalhando com agricultura familiar, e se mudou para Pires do Rio no ano passado. José fala sobre as dificuldades de se manter no início, sem os recursos necessários, em que não tinha nenhum produto para produzir e comercializar, o agricultor declara que estava na “estaca zero”. Ao ser questionado se o agronegócio e as indústrias impactam nas suas produções, o agricultor afirma: “É porque você luta, peleja e não põe veneno em nada. Você tem que vender mais barato, se você quiser vender, do que aqueles que têm a indústria, que vende lá em cima”.
Sybelle Barreira faz uma relação entre o agronegócio e a agricultura familiar. “Eles utilizam produtos químicos, defensivos agrícolas, pesticidas, e acaba que essas pragas vão para a agricultura familiar, para as áreas de agricultores familiares, porque lá, por vezes, não têm acesso à compra desses produtos”, anuncia.
Ainda relacionando os dois fatores, a professora fala sobre o uso de agrotóxicos e pesticidas: “Existe uma pressão muito forte para o uso de defensivos, uso de pesticidas, por exemplo, para agricultores familiares de orgânicos. Então, eles perdem a produção porque elas são pulverizadas via aviação agrícola, ou por deriva, e acabam afetando a produção de orgânicos de agricultores familiares”.
Eventos regionais trazem visibilidade e fortalecimento a agricultura familiar
Em busca de soluções para amenizar as problemáticas que afetam a agricultura familiar, Andressa dá destaque ao Estado, e ao evento Agro Centro-Oeste. O Governo Federal lançou vários programas que ajudam o pequeno agricultor, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Segundo a entrevistada, mesmo com editais e chamadas públicas, a prefeitura ainda não se informa em saber mais sobre os assentamentos e comunidades tradicionais.
Andressa também fala sobre as suas expectativas para o evento Agro Centro-Oeste, em que irá participar pela primeira vez. O evento acontece desde 2000 - promovido pela UFG, e tem como objetivo impulsionar a agricultura familiar. “Acho que com a feira, vai alavancar as vendas dos pequenos agricultores”, declara.
Existem também políticas de crédito e políticas de assistência técnica que precisam ser lembradas e fortalecidas na sociedade. “A agricultura familiar tem uma produção diversificada, então a gente precisa de uma comercialização diferenciada”, afirma Sybelle.
De acordo com a professora, ainda que existam muitas políticas, diversos agricultores não conseguem acessá-las por inúmeras causas - como dificuldade de compreensão da política e a necessidade de retorno financeiro, que não é garantido. A adaptação a tecnologia, também seria essencial para a agricultura familiar, onde o atual governo tem incentivado o agricultor, com uma assistência técnica. “É preciso ter tecnologias em que ele consegue acessar, por meio da sua formação e do capital fornecido a ele, ou que ele possui”, conclui.
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